segunda-feira, 10 de julho de 2017

"O SERTÃO É DO TAMANHO DO MUNDO"

"O sertão não tem janelas nem portas. 
E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa..."
 (Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas. p. 374)


Mata Branca é o terceiro livro de Jards Nobre, escritor quixadaense, um estudioso da linguagem e exímio observador da gente nordestina. Já havia lido os romances anteriores do autor, Curral de Pedras e Pássaros sem Canção. Li, portanto, esse novo livro de contos já vestido pelas experiências trazidas dessas outras obras.

No livro, percebe-se que a caatinga assume a posição de protagonista, a despeito de ser o cenário onde os contos se desenrolam. Tanto é que nas narrativas, poucos personagens foram nomeados, limitando o autor a chamá-los de a mulher, o homem, o cunhado, o filho mais velho, o menino... não desprezando a importância que esses seres tomam na narrativa, mas sobrelevando as características do lugar e suas influências sobre o homem ali habitante, emergindo aí a identificação do autor sertanejo com o Determinismo de Hippolyte Taine, próprio do estilo naturalista.

Identifiquei Mata Branca também com o Vidas Secas, de Graciliano Ramos, nessa mesma similitude ao deixar os filhos de Fabiano e Sinha Vitória como meninos sem nome: o menino mais novo e o menino mais velho, como a dizer que o destino dessas crianças não tivesse um marco, não fosse singular mas plural e estivesse à sorte do meio e do tempo.

O livro faz um apanhado de evolução da ocupação do sertão cearense, desde quando habitado por índios nativos até a modernidade, quando a luz da lua e do gerador foram substituídas pela energia elétrica; quando a magia dos circos mambembes e a rusticidade dos jumentos como animais de carga foram substituídos pela TV em cores e pelas motocicletas, respectivamente.

Na linguagem de Jards, chama-me à atenção sua invejável capacidade descritiva, capaz de ilustrar como poucos os seus cenários e situar o leitor em um cenário povoado de cuidadosos detalhes. Talvez essa facilidade nasça de sua capacidade de observar o ambiente onde acontecem suas histórias e guardar na memória vivências suas que o ajudam a reconstruir os seus enredos com grande carga de verossimilhança.

Penso, também, que o autor tem cada vez mais se enveredado pela trama psicológica de suas personagens, e aí reside o que mais gosto nele, como em AMORES SUJOS DE BRANCO, ANJOS e CEDO DEMAIS, meus contos preferidos, onde tragédia e paixão caminham de mãos dadas e o conflito vivido pelos protagonistas ferve em uma limitada linguagem íntima, mas que o autor amplia essa dimensão em sua gentil onisciência, sem roubar deles, no entanto, sua originalidade.

Percebo que algumas características são imanentes do autor e lhe conferem um estilo próprio, uma identidade, demonstrando que Jards já encontrou seu caminho; embora se permita algumas experimentações, como em MARCADA, o único conto que guarda uma diferenciação de linguagem e construção com os demais. Neste, Jards parece ter incorporado construções literárias, como as de Edgar Allan Poe e, cinematográficas, como de Alfred Hitchcock e Quentin Tarantino.

Por vezes eu desejei ver menos dor nas páginas de Mata Branca; por vezes eu quis ser o dono dos destinos de muitos dos personagens ali construídos. Maldisse o autor em algumas páginas como a não perdoar o destino traçado para algumas histórias, todavia contive-me e constatei que a vida nem sempre é aquilo que sonhamos e temperamos com nossas utopias. Como no sertão, a bela e rara flor de mandacaru também é cercada de espinhos.

O livro, despretensiosamente, prova que o sertão é um lugar interessante, belo; por vezes sádico; noutras, generosamente poético. Nesse espaço, gravitam as mais variadas sensações do homem, como a mostrar que o sertão é um arquétipo do mundo inteiro.


Hérlon Fernandes Gomes

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