quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

MINICONTO APAIXONADO





          Talvez fosse tempo mesmo para ele se encantar novamente – em tempos atrás talvez chamasse isso de se iludir.
          Agora ele sentia que era tempo para se entregar à deriva de uma paixão que fosse a cor dos seus dias. Cansou de se bastar (alguém se basta?); cansou de acreditar que conseguia reger a intensidade dos próprios sentimentos como a uma orquestra. Precisava voltar a sentir saudades, a ser também essa ânsia para alguém.
          Ele lembrava de toda a calmaria que o enchia todo dessa alegria esquecida."É meio como andar de bicicleta”, pensou. Era tão bom esquecer as horas de tédio com a plenitude da presença dela... Passou a sentir vontades adormecidas depois que suas salivas se misturaram. O tempo havia se calado naquela hora. E ainda assim, calados, quanto disseram de si mesmos, quanto se tornaram cúmplices nos desejos?
          Não havia palavras nem conceitos que pudessem ser falados ou escritos, porque poderiam soar ridicularmente. Mas acontecia nele um fenômeno que só podia ser um sinal: seu suor exalava a mesma fragrância do cheiro dela, numa perseguição onde ele era o próprio rastro.
          A cama estava mais fria com apenas um corpo nu. Demorou-se com a insônia, perpetuando na imaginação os beijos de agora há pouco — lembranças tão vivas e mornas. 
          Sentia-se mais vivo, sentia-se iluminado.

Hérlon Fernandes Gomes
Madrugada de 28 de janeiro de 2010. 

Fotografia do filme ASAS DO DESEJO (Der Himmel ünder Berlin), de Win Wenders, um clássico do cinema, de 1987.

3 comentários:

  1. Bom chegar aqui e me deparar com este conto, mini, grande.
    Obrigada pela presença amiga e generosa em Sementeiras. Andava meio impedida de vir aqui, mas estou retomando aos poucos a rotina e, com ela, sempre os prazeres acontecem, assim como visitas aos amigos.
    Abração.
    Magna

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  2. Como ocorre com mais frequência do que deveria, ontem meu computador estava assumidamente contra mim... Hoje, o firefox parece ter acordado um pouco mais de bem com a vida e pude ler teu comentário.

    Muito obrigado pelas palavras. Pela citação de Caio, em especial. E, mais do que isso, parabéns.

    Li alguns dos teus posts e gostei muito do que encontrei. Não apenas as palavras em si, mas pequenos detalhes como as fotos de "Asas do Desejo" e "Entre Lençóis".

    O primeiro, uma obra sobre a qual já li muito e ainda não tive a oportunidade de ver mas que já ocupa um lugar especial nas minhas lembranças. O segundo eu assisti esses dias e me encantou.

    Não sei ao certo o porquê de ter me estendido tanto nesse comentário. Talvez por acreditar que não poderia deixar nada do que mencionei de fora. Talvez apenas pela minha notória dificuldade em ser sucinto...

    Enfim, por enquanto é só. Mais uma vez, muito obrigado. Parabéns pelo blog - realmente excelente e acolhedor. Grande abraço.

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  3. Verdade, a gente aprende a amar sentindo amor, quando conseguirmos senti-lo, então saberemos defini-lo. Parabéns pelo seu blog. E obrigado, abraços

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