quarta-feira, 18 de agosto de 2010

EU, CARTOLA, AURORA E A PRIMAVERA ou UM ENSAIO SOBRE A ESPERANÇA


Acordei mais cedo do que o de costume. Cinco e meia da manhã. Aqui no Norte, o sol demora a nascer. Escuridão fechada, frio seco. Levantei-me para preparar um café que me ajudasse a manter o despertar. Olhos abertos de lunático, perscrutando o infinito íntimo... Eu e essa mania de me sondar infindavelmente... Faço uma oração secreta e poderosa que minha avó nonagenária me ensinou. Mensuro diariamente tanta saudade que me parece explodir a alma, a calma, o prumo das coisas. Ligo baixinho o som para não incomodar os vizinhos. Cartola canta Preciso me encontrar. Eu, diante da porta aberta do quintal, miro as estrelas vacilantes que ainda se aventuram em insistir na noite. Sinto nelas uma coisa que está em mim, que eu não saberia explicar com a linguagem verbal que aprendi... Elas se apagam; mas há certeza de que amanhã estejam a luzir ali, embora nem sempre as mire.



Decido sair. O sol agora perfila as nuvens com seus lilases de aurora. Essa paisagem é meramente coadjuvante, pois ainda continuo a me empreender nos meus pensamentos. Cartola continua nos meus ouvidos, como um dejá vu constante... Deixe-me ir, preciso andar. Vou por aí a procurar, rir pra não chorar... Não há desolação em mim. Há angústia de uma espera misteriosa que move meus dias; esse gosto pelo inusitado que nem sempre se configura mas ainda assim me enche diariamente de uma alegria sem peso, que aparentemente não é nada, e me inunda todo. Sim. Devo orar a Deus para que sempre me conceda Esperança. Porque do Nada eu construo um império inteiro de felicidades possíveis, mesmo que a eventual Desilusão do amanhã me ceife os caminhos percorridos. Sendo imaterial, a Esperança me devolverá do mesmo Nada os sonhos necessários ao prumo da felicidade.


Tenho me proibido entristecer, não obstante me surpreendam lágrimas tímidas que derramam o excesso dessa solidão escolhida... Se alguém por mim perguntar, diga que eu só vou voltar quando eu me encontrar... O sol já se anuncia Rei. Respondo para Cartola que voltarei sem me encontrar, porque imagino que a gente sempre esteja nessa procura faminta, de respostas insistentemente inexatas. Quero assistir ao sol nascer, ver as águas dos rios correr, ouvir os pássaros cantar. Eu quero nascer, quero viver...


Dobro a última esquina antes de refazer o percurso de casa. É meu caminho diário. Minha alma se pinta diante do ipê roxo florido que até ontem era um verde comum e imperceptível na paisagem. Meu sorriso se abre mais. Ele agora tem o peso do sol. Peço a Deus que eu também possa ser essa Primavera. Amém.


Ipê florido de Guajará Mirim - fotografia feita por mim



Hérlon Fernandes Gomes



Guajará Mirim, Rondônia, 17 de agosto de 2010.




P.S.: Para minha amiga Fernanda Ferreira Britto Rêgo, que tem compartilhado seu banzo comigo. Para você, com tudo o que há de mais sublime no universo.


5 comentários:

  1. Talvez eu volte para dizer algo a mais, porque, por enquanto, só sai: maravilha, Hérlon! Viva a esperança!
    Abraço.
    Magna

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  2. Impressão do amanhecer... belo quadro feito com tinta que além de letra desenha imagens. Bela foto (lembra o "branquelo" e as dele, rs), bela música... ah que essa lembra o que não se diz. Saudades seu moço do Norte!
    um bj

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  3. Aah... Já estava sentindo saudades dos seus escritos... Espero que possas encontrar-te, mesmo que por pouco tempo, que consigas ver-te em ti mesmo.
    Abraços.

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  4. Texto sublime!Eu também ja caminhei por essas trilhas de busca infinita, não que eu tenha encontrado um mapa detalhado, mas já encontrei um farol.Nunca deixe de escrever!Apareça no meu blog,Mi

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