sexta-feira, 8 de agosto de 2008

DEVANEIOS COM CLARICE LISPECTOR

É quase meia-noite. Sinto o sono aproximar-se de mim, vindo sorrateiro, hipnotizante, comprimindo minha alma, confundindo minha mente, desenterrando sensações e medos que não quero mais possuir.
Tudo é déjà vu, sinto vertigem. O ciúme corrói o amor-próprio e já me vejo insano, procurando definir a minha verdade, estabelecer uma medida exata até onde era lucidez e passou a ser loucura.
Fito-me no espelho. Vejo-me belo, atraente; imagino-me sendo desejado por quem não conheço, imagino-me íntimo de vultos que apenas tive contato através de fotografias e que procuro descobrir coisas absurdas a respeito dos mesmos: a comida preferida, o perfume natural, a intimidade, o banho, o sabor do beijo... Imagino-me amado como nunca fui, sendo desejado ardentemente por alguém que até mesmo seria capaz de matar ou morrer por mim... Sim, é quase um melodrama. Estou triste.
Começo a chorar copiosamente, débil, vendo-me como a mais triste das criaturas por ter perdido o ser amado. O travesseiro encharca-se do meu pranto e eu desejo ardentemente que tenham piedade de mim, que me notem, que corram em meu auxílio.
Novamente quero ser desejado por alguém que me idolatre, que me diga o quanto sou importante. Atinjo o limite do que chamo sobriedade. Agora pareço ridículo. Espanco meu próprio rosto, insulto-me, acho-me feio, começo a ter vergonha de mim mesmo.
Imagino-me tendo dons! Se eu fosse um ótimo cantor! Se fosse um belo dançarino, um pianista, um escritor famoso! De repente a fama me atrai! As badalações proporcionar-me-iam um bem tamanho! Eu teria a felicidade?
Ah, a felicidade... Essa poção mágica feita de não sei o quê, que se encontra em não sei onde... O sono pega-me. Estou dominado por uma força superior que me carrega vagarosamente, pesadamente num azul frio que vai escurecendo pouco a pouco. O silêncio toma-me de maneira progressiva. Estou no poço dos sonhos.
Sei que não sinto dor. Consigo perceber o cheiro de um perfume preferido que usei no passado. Vejo perfeitamente as cores e concluo a grande mentira: os sonhos são em cores, não há nada de preto e branco. Acho que só os infelizes possuem sonhos apagados...
Sou medroso até mesmo sonhando; não consigo realizar tudo o que desejo. Tenho medo de quê? Sinto-me em outro plano e não temo a morte. A morte... a morte... a morte – o oposto da vida. Alguém muito célebre teve essa simples conclusão de que a morte é justamente o oposto da vida. Tento lembrar-me de quem foi. Não consigo. Se a morte é justamente o oposto da vida, então a morte não é tão misteriosa quanto se imagina. Tema pouco atraente para uma hora de sono. Melhor mesmo é pensar no infinito.
Sou quase egoísta; nada me satisfaz completamente. Ainda quero alguém só pra mim, ainda preciso acreditar no amor como um antídoto para todos os problemas... Ai... O dia está amanhecendo, alguém bate na porta. Não queria acordar! Uma preguiça estonteante abate-me na cama. Ouço o tic-tac do relógio e torço para que o tempo se demore a passar para que eu possa vencer essa preguiça que se espalha sobre mim, entranhada em meus cabelos, sobre meu corpo nu arrepiado pelo frio matinal.
Calo-me. Penso em tudo. Quase tenho medo de mim mesmo.

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE P.S.: Publicado em 2005, na coluna que me pertencia no antigo AGENDA CARIRI.

Um comentário:

  1. Apaixonei-me pelas suas palavras de uma forma muito intima.
    Falastes o que sinto.
    Falastes o que quero.
    Falastes o que penso.
    Pensas em tudo.
    Obrigado.

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