sábado, 9 de agosto de 2008

NIETZSCHE E CLARICE LISPECTOR DIVIDEM UM CIGARRO


“Faço votos que os intelectuais não entendam”.
Você já duvidou de sua lucidez? Você já se perguntou se realmente está com a razão, quando pensava realmente tê-la? O que é a verdade para você? O que é o amor? Como é ser amado? Qual a sensação da felicidade na pele, no pensamento? Até que ponto seu ciúme deixou de ser saudável e passou a ser loucura? Até que ponto todo o intelecto que você adquiriu durante seus vinte anos de estudo pode ser considerado irrelevante em uma mesa onde se discutem assuntos triviais?
Nietzsche me diz: “E assim fazem todos os fracos: perdem-se no caminho. E seu cansaço acaba por perguntar a si mesmo: ‘Por que seguimos este caminho? Tudo é tão igual!’”
Hoje estou muito reticente... Disseram-me que estou me perdendo num caminho sem volta... Mas que bobagem! Apenas busco um norte, por mais que não saiba por onde esteja andando, todavia não me sinto perdido. Por essas veredas pretendo encontrar algo, ainda não exato, mas que me devolverá o sentido que perdi, não sei onde; talvez entre a infância e adolescência, quando me apercebi da existência da morte, quando descobri o amor e os prazeres da carne.
Tudo é tão igual... Tudo é tão igual... Definitivamente não quero ver a vida passar e apenas bocejar de preguiça, de cansaço, enquanto esse espetáculo misterioso desfila diante dos meus olhos. Louco? Irresponsável? “Você precisa ter cautela, esses caminhos podem ser perigosos!”, “Mas, se conselho fosse bom, ninguém dava: vendia!”. Por que todo esse medo? Ando no lombo da vida, ela é minha cria, sou seu veículo apenas.
Tristes daqueles que não ousam, que não se arriscam em tentar ser felizes mesmo onde só enxergam imperfeição. O sabor da vida é descobrir o doce da fruta debaixo da casca áspera, feia, enegrecida. O mel da vida pode estar muitas vezes no beijo carinhoso, no meio da noite, embaixo das cobertas, no silêncio, sem nada de público, nada de político, nada de dialético... Essas bobagens foram inventadas pelos mal-amados. O amor e a felicidade não se expressam através de nenhuma língua específica, não possuem um idioma, um código numérico; essas coisas brotam da alma.
A noite está solitária. Queria não desperdiçar meu tempo com grandes questões. Quisera eu permanecer isolado... Isolado de quê mesmo? Isolado da hipocrisia humana, do medo mesquinho, da infelicidade gratuita dos homens sem alma; mas eu não consigo. Resta-me ser profano (?) e gargalhar descaradamente, como se risse da própria morte. Aliás, não me imagino morto, a idéia de eternidade sempre me acompanhou como uma certeza, algo concreto que se come, sente-se o gosto.
Hmm... Sono? Dor de cabeça? Quem está com a razão? O que é a razão? Os ignorantes são mais felizes.
Hoje em dia, prefiro não ouvir conselhos, por mais que os mesmos me tentem, por mais que eu possa imaginar que um outro alguém possa estar com a razão e me mostre um atalho para o sonho. Prefiro acertar ou errar por mim mesmo, prefiro juntar minhas próprias cicatrizes e exibi-las como troféu do meu aprendizado, diante da vida. Sim, a vida, esse sopro de Deus, essa coisa que os homens levarão uma eternidade buscando a fórmula até serem vítimas da própria curiosidade, assistindo, como zumbis, à própria destruição.
Porque, meus amigos, tudo passa tão rápido que, se procuramos traçar um perfil metódico para toda a nossa existência, num lampejo veremos que de nada adiantou tanta cautela, tanto medo, tanto senso em se guardar quando, na verdade, tudo o que provamos foi um prato insosso, doente... E aí já não há mais tempo, tempo pra nada; nem mesmo pra curtir sua eternidade, já que você não acredita nela.
***
Para finalizar, Clarice recita Nietzsche: “‘Para os puros tudo é puro.’ Assim falava o povo. Mas eu vos digo: Para os porcos tudo é porco!”

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE.
P.S.: Publicado em 2005, na coluna que me pertencia no antigo AGENDA CARIRI.

2 comentários:

  1. Sublime.
    Lindo.
    Tocante.
    Fez pra mim foi?
    Realmente é a minha cara!
    Adorei.
    Alias...
    Amei.

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  2. Sua delicadeza intelectual é puro charme, vejo poucos como você!
    Mary Bezerra

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