terça-feira, 27 de maio de 2008

A MOEDA DA VERDADE

Saiu de casa sem olhar para trás. Pairava no ar uma atmosfera de inquietude, de certeza também. Pela primeira vez na vida parecia tomar uma decisão acertada. Corria para o mar. Diante da impotência da alma, o mar lhe devolvia uma sensação de paz. Tirou os chinelos, queria sentir a areia úmida entre os dedos, a frieza do chão. Precisava entregar-se à natureza primitiva, lembrar que um mundo inteiro pulsa esquecido dos fantasmas que ela alimentava. Silêncio na mente. Tentava silenciar a mente com pensamentos que tivessem a temperatura daquele instante. Sentia-se cansada, percebia que carregava pesos esquecidos, coisas inexatas que não se explicavam meramente com palavras e atitudes. Sentou-se numa porção mais alta da praia. A tarde ia caindo em tons laranjas... A paisagem compensava esse vazio. Laura precisava acreditar na existência de uma luz, sua luz. Sua força íntima de se elevar precisava ser ativada, talvez por essa derrota que se operava em sua vida. O fim do amor era uma coisa triste. E onde se perdera? Onde depositara todo aquele sentimento? É, aparentava afugentar-se da treva, como do frio para a quentura matinal.
A verdade dos fatos apagava as falsas tintas do que julgava viver. Acordava-a sonolentamente de um coma da alma. Nesses últimos meses de claustro íntimo, buscava encontrar coragem de acatar as ordens das próprias verdades.
Viraria aquela página. A gente precisa sepultar passados; algumas lembranças precisam ser esquecidas – porque a morte de um sentimento é capaz de conceber essa espécie de encanto.

Ele era diferente dela. Não era adepta do ditado de que os opostos precisem se atrair e darem certo. É mentira cômoda de se acreditar. Sérgio era prático, ela gentil; um transava com tesão, ela fazia amor. Eram situações quase corriqueiras que se revelavam e descascavam o brilho do bronze. Os impulsos íntimos e primitivos de Laura alimentavam-se de sentimentos de paz; ele acreditava numa ordem própria, baseada na sua tirania, no seu discurso convincente. Ele gostava de deter tudo sob seu controle, principalmente pessoas. Com seus parceiros de negócios a mentira era uma espécie de moeda de troca... O casamento facilitou essas pistas. Ele jogava também assim com ela; mas a moeda dela revestia-se de verdade.
Seu valor seria compensado.


Hérlon Fernandes Gomes - Brejo Santo - CE. 27 de Maio de 2008.
P.S.: Para Gianini, no frio do Sudeste...

2 comentários:

  1. Você tem esse mecanismo especial de colocar uma sensibilidade pulsante na sua escrita. Chego a sentir na alma essas coisas que você descreve tão bem... Sou um grande admirador do que você escreve. De tempos remotos...

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  2. Ela acordou do profundo sono da ilusão.
    Ilusão dos sentimentos que estava com raizes profundas em seu ser.
    Um dia passa.
    Um dia ela haveria de acordar.
    Ver que o mundo não era só o que ela pensava.
    A partir de agora o novo será sua "verdade".

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