quarta-feira, 5 de março de 2008

DESEJO PROIBIDO


O que mais odiava em si, naquele momento, era esse sentimento de impotência. O que destruiu a relação foram pequenas coisas. Justamente por isso é que ela odiava esse tormento. Desejou cegamente ter um motivo para jogar na cara de Sérgio, porque sabia que qualquer outro comentário poderia mexer com os valores dele. Não tinha coragem de dizer-lhe que não se sentia satisfeita na cama – isso era algo que fazia corar a si própria... Queria que o marido fosse mais gentil, que procurasse dar importância às suas observações, que elogiasse sua beleza ao invés de distribuir elogios gratuitos e às vezes debochados para eventuais mulheres. Queria que o marido a beijasse com o mesmo fervor dos primeiros tempos, que gostasse de conversar antes de dormir. Não se tratava de extravagâncias nem exigências fúteis. Aos olhos dos outros, ele queria se mostrar o par perfeito: bonitos, ricos, simpáticos. Dentro de casa, entre quatro paredes, a vida era bem diferente... O pior é que ela se fazia de feliz, aceitava as regras desse jogo que a martirizava tanto. Sentia-se presa dentro da própria casa, presa na armadilha dos próprios sentimentos. Precisava arranjar uma maneira de contornar tudo isso. Sobre todas as coisas inexplicáveis e subentendidas, deveríamos encontrar uma saída. Estamos exatamente procurando o quê? Somos apenas uma realidade fisiológica a pisar neste chão? A inquietude é nossa melhor qualidade; o sonho é nosso mais sublime entretenimento. É madrugada, todos dormem. Ela permanece ali, afogada de questões, de dúvidas que não necessariamente precisam de respostas, esperando também que o sono a arrebate. Pensa no rapaz da boate, na vontade maluca de poder conhecer mais da sua intimidade, de poder adentrar bem mais nos seus dias, de talvez viverem uma paixão – como as muitas que imaginou. Quem realmente era ele? Que perfume se escondia debaixo dos seus cabelos? Ele ainda não tinha nome, era apenas aqueles dois olhos que fitaram os dela bem mais que uma dezena de vezes naquela noite. Neles, pôde sentir um certo calor; pôde ler, ainda que sem desvendar, uma tímida vontade de tê-la. Procurara um caminho de volta; deparou-se novamente dentro daqueles olhos e entrou em contato com a seriedade daquela boca, sem esboço de sorriso algum... Ficara curiosa. Fazia tempo que não se sentia assim: desejada, envaidecida, envergonhada. Agora, sem sono, na madrugada, enquanto o marido dormia, encontrava-se ali, perturbando-se por outro homem, contaminando-se desse feitiço nem bom nem ruim... O sabor de um orgasmo traído seria misto de paixão e remorso? Procurava interpretar o reflexo de sua presença na existência do desconhecido. Tentava idealizar os desejos do rapaz em relação aos dela. Tinham gosto de malícia, um pouco de cheiro sangüíneo, um pouco do gosto de doce queimado... Sérgio não era um bom amante. Era egoísta e não sabia interpretar o silêncio e a quietude da esposa. Não se doava, não era ardente. Ela já tivera outros que o fazia de maneira singular. Isso povoava sua imaginação de inúmeras coisas... Coisas que esses maus amantes esquecem de realizar. Não a interessava saber o timbre daquela voz, nem muito menos os medos dele; queria apenas sentir sua presença, sentir-se também um bocado importante para ele. Precisava ser notada, valorizada. Sonhou que beijava o desconhecido mansamente, clandestinamente e que ele deixou um pouco de perfume em todo o vestido, nas mãos... Sonhou com o gosto da saliva e teve certeza de que o encontro dos dois olhares tinha valido a pena.

(Hérlon Fernandes Gomes)

Um comentário:

  1. Amável poeta:
    Nem conheces os anseios, conflitos, sonhos e desejos que habitam em meu coração juvenil e os descrevestes tão fielmente. E de forma tão assustadoramente a-p-a-i-x-o-n-a-n-t-e.
    Será porque tú és tão fascinado pela obra de Clarice quanto eu? rsrsrsrsrs.
    Teu talento é um fato. E assim como a borboleta recém saída do casúlo se lança ao ar na busca frenética pelo sentimento de liberdade, desejo que teus lindos versos venham pousar nas mentes daqueles que de fato amam a boa literatura.

    Sucesso

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