segunda-feira, 31 de março de 2008

QUASE DESENCONTRO


ELA
Fazia tempo que não se viam... Foi uma surpresa poder reencontrá-lo naquela sexta-feira à noite cheia de expectativas. Embora aquele reencontro enchesse seu íntimo de uma felicidade ímpar, não sabia como se comportar diante dele. Aproximou-se, cumprimentou-lhe, trocaram algumas palavras num discurso fático. Ainda ousou perguntar se ele iria a alguma boate. Respondeu que sim; no meio da madrugada estaria na Lost. Ela mentiu e disse que também estava programada a ir até lá, mas sabia que todas as amigas haviam combinado de estender a noitada em outro ambiente. Despediram-se rapidamente, fazendo votos de reencontrarem-se mais tarde. Quase euforicamente, conseguiu convencer as amigas a mudarem o itinerário e explicou o justo motivo: queria pelo menos um beijo dele!
Ela não beberia muito naquela noite, entrou na boate e ficou de olhos atentos à porta. Como um banho de água fria, percebeu que ele entrava acompanhado, de mãos dadas. Chegou ainda a cumprimentá-lo com um sorriso amarelo que só ela mesma reconhecia... Resolveu que não perderia a noite por conta do que julgou ser um pequeno equívoco. Aproveitou para dançar e curtir seus últimos dias de férias.
O lugar era agradável, sentia-se amiga das luzes, camuflando-se entre a fumaça. Sem que ninguém percebesse, observava-o, desejava-o. Imaginava-se sendo a outra, construía nos pensamentos a sensação daquele beijo, o sabor do perfume, a maciez daquela pele... A música ajudava-lhe, a pouca bebida instigava-a. Era uma voyeur na madrugada. Ria de si mesma, e o riso era malicioso, cheio de um prazer inédito, de se sentir possuída sem ser tocada em um fio de cabelo. Pronunciava em pensamento o nome do rapaz... Esqueceu-se dos outros homens que a admiravam e a desejavam, já que seus pensamentos voltavam-se para outro lugar. Qualquer outro desinteressava-lhe...
A noite inteira foi aquela contemplação estranha, cheia de um gosto especial.
Tinham sido colegas de faculdade, conversavam pouco, mas ela lembrava que adorava o teor daquelas conversas. Na época, estava noiva e a fidelidade era realmente algo que lhe importava. Alimentara apenas aquele desejo secreto... Mas agora, ali, queria uma oportunidade de provar daquela gentileza canalizada no passado... Voltou para casa com pensamentos intensos. Precisou de um banho pra dormir. Na noite seguinte, sairia, beberia demais e não perceberia que ele havia dedicado a noite a segui-la e a observá-la.
ELE
Ficou surpreso ao poder reencontrá-la, mas nunca soube seguramente como se portar diante dela, sentia-se pisando em ovos... Lamentou estar acompanhado de uma simples “ficante”, todavia não sabia ser cafajeste e também não suspeitava do quanto ela se interessava por ele. Ficou feliz em saber que não estava casada - era pelo menos algo animador...
Durante a noite, conseguiu observá-la por alguns relances e estranhou que a mesma não desse bola a nenhum dos outros que se aproximavam; talvez com ele não fosse diferente... Ele sempre tinha medo de confundir gentileza com outra coisa.

No sábado, ela não perceberia que estava sendo seguida. Fitava-a à distância de algumas mesas. Estava empolgada na tequila! Ele ainda estava acompanhado, não sabia se lamentava... Era melhor um pássaro na mão do que nenhum! Acompanhou-a no momento em que se levantara. Não rumava mais para a Lost, mas para a Caleidoscope, um ambiente mais movimentado.
Lá dentro, a atmosfera era de penumbra, quase escuridão. Conseguia percebê-la pelo ritmo frenético dos estroboscópios e da luz-negra que destacavam seu mini-vestido branco. O voyeur agora era ele, a desejá-la, a senti-la nos lábios da outra, a apertá-la em outra cintura.
Impressionou-se ao perceber que ela e outra amiga subiam no “queijo” e dançavam com um go go boy. Deslumbrou-se, pois nela toda sensualidade estava longe da vulgaridade... Excitou-se... A música ajudava... O grupo Lasgo ensurdecia o salão nas mãos do DJ Benny Benassi,a música parecia profetizar algo:

I can see it in your eyes
there's something

something you wanna tell me
I see it in your eyes
there's something that you hide from me
is there a reason why?
there's something
something you wanna tell me

I see it in your eyes
there's something that you hide from me.
A boate era cercada por uma passarela suspensa. Arranjou uma desculpa qualquer e convenceu a outra a dirigir-se até lá. Enquanto abraçava-a, com o queixo encostado em seu ombro, hipnotizava-se com aquela visão panorâmica. Desejou ser o go go boy, sentir a silhueta dela... Voltou para casa com os pensamentos entorpecidos... Encontrar-se-iam algum dia? Precisou de um banho para dormir. Quando os desejos de ambos se uniriam? Dentro de si algo anunciava essa certeza...

Hérlon Fernandes Gomes, 31 de março de 2008. Brejo Santo - CE

P.S.: Para você, de quem venho me desencontrando há um bom tempo...

3 comentários:

  1. Há noites em que planeja-se encontrar o desejável e o que encontra-se não passa de algo doloroso.
    Poder assimilar tudo de uma forma pacífica dentro de si e tentar tomar um rumo satisfatório. Negar o visto e fantasiá-lo diferente. Dói muito crêr no real as vezes, mas a fantasia e algo inerente aos bons corações. Sentir-se-ia bem ao fantasiar algo que negava a realidade. O futuro reserva surpresas impensadas.
    Há saídas inimagináveis e menos dolorosas.
    Pensar que tudo pode ser diferente e satisfatório.
    Algo de bom virá.
    Acredito nisso.

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  2. como sempre vc surpreende a mim e a todos; os que o conhecem em profundo e os que apenas estam visitando seu blog. vc está cada dia mais completo em seus versos, em suas indagações, em seu ver o mundo. te admiro por tudo. espero que esse desencontro acabe, se ele ja nao tiver ocorrido. grande abraço meu eterno amigo..........

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  3. Is there something you wanna tell me?

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