quarta-feira, 12 de março de 2008

MUDANÇA




Tentou almoçar, mas não sentiu fome. Dentro dela era somente aquele vazio que, de imenso, bastava. Precisava acompanhar o desmonte dos móveis e pintura das paredes. Era um dia de recomeço, depois de tentar em vão reviver rosas murchas de um jardim... Pois seu relacionamento era essa metáfora banal. Reconhecia o tempo feliz, o quanto tudo foi bom até quando conseguiu acreditar... Toda felicidade vale a pena? Até mesmo aquela que se esconde atrás de uma mentira? Os inocentes são perdoados... Achou-se patética naquela situação, sentiu-se ridícula ao se pegar discretamente chorando ao observar o rapaz desmontar a cama. Os poucos objetos que restavam no apartamento diziam muita coisa naquele domingo de tédio. Talvez nesse dia tenha descoberto que era feita de uma matéria diferente de muitas outras pessoas. Ela era mais sentimento do que qualquer outra coisa. Fechou a porta. Trancou um passado. Parou um momento diante da soleira. Intimamente sua alma fazia uma prece. Foi descendo as escadas como se flutuasse. Dentro de si, aflorava a inquietude de quem se esquecia de algo muito importante. Rememorou rapidamente uma lista... Nada? Voltou correndo até o lugar. Reabriu a porta, foi adentrando os cômodos e constatou o vazio sem eco. Esquecia-se do quê? Parece que se esquecia dela mesma... Certamente parte dela ficaria ali entranhada nas paredes, na sua solidez muda. Sepultada naquele vazio estava a esperança do que foi ela, revelada agora em fracasso, frustração, açoite... Talvez fosse bom pensar que ele não tinha existido? Pegou um táxi, pediu que rumasse para a rodoviária. Fim de tarde abafado. Chorava por trás dos óculos escuros. O tempo pouco a pouco fechava. O céu era só cinza. Sentiu a cumplicidade da natureza... Ela era aquela tormenta que se filtrava no sol poente e, de surpresa, abria no céu um arco-íris inteiro. Esboçou para Deus um sorriso amarelo e quis acreditar que tudo conspirava a seu favor.

Hérlon Fernandes Gomes, 12 de março de 2008.
P.S.: Para Maria de Fátima, que me fez enxergar inúmeras vezes que Deus prepara espetáculos exclusivos para nós!

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