terça-feira, 25 de março de 2008

O REENCONTRO


Às vezes os sentimentos têm a capacidade de arrebatar-nos mesmo quando nos julgamos preparados para todo e qualquer embate. Ela era dessas pessoas que buscavam a razão como rainha controladora das emoções, dos medos, das fraquezas. Pensa-se uma mulher decidida, dona de decisões imutáveis, acreditada dos próprios princípios.
Nos últimos meses estava curtindo a própria solidão, assumindo o fim de um relacionamento que durante muito tempo foi seu horizonte, seu patamar de medida diante de todas as coisas que planejava.
No começo, foi um pouco difícil de se acostumar; mas tinha sido necessário – chega uma época em que é preciso procurar conservar pelo menos o respeito pelo par, em nome da felicidade vivida, de momentos ímpares de convivência... A ruína veio, destruiu o amor inabalável e, enfim, era tempo de recomeçar, porque a vida não pára.
Vestiu-se de maneira simples, mas elegante – como de costume. Maquilou-se na sua vaidade feminina, perfumou-se e desejou que a noite lhe fosse de surpresas. Chegou ao restaurante sozinha, os amigos todos estariam esperando por ela. Já de longe, percebeu que ele estava na mesa.
Seria um reencontro comum, ambos solteiros agora. Era preciso encarar os fatos, tocar o barco pra frente e procurar um novo fio na meada da vida. Não hesitou no passo, continuou altiva, exibindo sua simpatia gratuita. Desejou “boa noite” aos presentes e percebeu, ao lado dele, uma cadeira vazia e um copo manchado de batom nas bordas, denunciando a presença de uma mulher que, talvez, tivesse ido ao banheiro.
Ficou um pouco apreensiva, a tensão do ambiente era palpável. Os outros temiam bem mais por ela do que ela por si própria. O que aconteceu dali até a chegada da outra foi uma evolução de movimentos mecânicos, pensados no plano longínquo da mentira que tinha de se traduzir em gentileza.
Educada, sempre conseguiria ser, pois isso era sua essência. Aparentemente mantinha-se tranqüila, esboçava sorrisos seguros, não parecia titubear em nenhum momento; todavia sufocava-se pela tensão criada pelos amigos.
Conseguindo ser natural, chamou a amiga para acompanhá-la até o banheiro. De costas para todos, foi-se consumindo num rio de tristeza incontrolável. Sentiu-se estranha pelo vexame, surpreendeu-se com a incapacidade repentina em controlar aquele sentimento aterrador.
Do fundo d’alma, percebeu que conseguia desejar verdadeiramente a felicidade dos dois. Nos olhos dele, pôde enxergar o efêmero, o homem fugaz e superficial de sempre. Desejou que ele pudesse ter mais alma, enxergasse além do limite da carne, do material.
Descomposta, com a maquiagem abarrotada, rumou para casa, aconselhando à amiga uma desculpa qualquer na mesa.
Saiu como se esquecesse um pedaço de si. A noite, o frio, o vento e o espaço enorme que se abria em seu peito serviram de consolo. Sabia-se inteira e qualquer coisa no seu âmago colocava-a grandiosa diante do que acreditava.

Hérlon Fernandes Gomes, Fortaleza - CE, 22 de março de 2008.

3 comentários:

  1. Belo texto, parabéns!

    É muito bom descobrir blogs como esse,

    Até!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Ela se sentiu forte pra tentar dar os primeiros passos. O encontro a deixou tensa, e de repente a força de outrora parece ter sido deixada de lado.
    É o primeiro teste, e como os demais não serão fáceis. Creio que a sutileza de uma alma com a dessa donzela a fará perceber sua força interna que irá sobrepor a dor do que passou. Trata-se de uma epifania de pensamentos. Eu sou fã.

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