domingo, 27 de abril de 2008

CRISTIAN - O GAROTO DE PROGRAMA

Vez por outra era invadido por uma necessidade de se livrar da presença humana – sua e dos outros. Em dias assim, esperava algumas horas antecedentes do fim de tarde para se refugiar longe do ambiente urbano e cheio de humanidade. Não costumava ser recluso, não gostava de encarar a solidão como um estado permanente. Mas precisava estar só para exorcizar coisas suas, encarar pensamentos complexos que apenas ele conseguia compreender de maneira lúcida.
Acendeu um cigarro e deixou expandir a mente como a fumaça se esvaía no tempo.

U
m gafanhoto o fez lembrar da irmã. Lembrava-se que ela morria de medo de gafanhotos e ele usava-os para chantangeá-la, para se divertir com o seu pavor... Riu de saudade. A irmã e sua presença morna de um mundo de onde sumira. De mãe, não havia uma lembrança; fora criado por madrasta, e esta realmente ilustrava o mais fiel estereótipo de uma. Ficaria órfão de pai ainda menino. Sua vida seria essa constante de se sentir um intruso naquela família... Mas a irmã traduzia uma lembrança carregada de uma essência que ele sentia falta: uma idéia de família, de segurança... E isso era algo tão distante que ele imaginava ser preciso lembrar sempre para poder se sentir melhor, para saber que ele era mais que um corpo.

C
omeçou a se prostituir aos vinte um anos. Não gostava do peso do verbo, mas não tinha culpas banais; aprendeu a encarar a crueza da vida e isso lhe construíra um temperamento facilmente adaptável a qualquer gosto. Mecanizara-se. Seu porte, sua beleza e gentileza ajudavam perfeitamente no seu sucesso. Suas ambições eram grandes? Elas agora pareciam nem importar? E o que importava? Importava querer saber pra quem ele queria construir a felicidade planejada e sempre adiada. Felicidade adiada porque seus planos se modificariam e seriam cada vez mais colossais?

E
ra um homem inteligente. Os outros, se o enxergassem do íntimo, diriam que ele poderia ganhar a vida dignamente... Mas pensava um dia em deixar disso. Seria questão de tempo ou o quê mais?

C
omeçava a se desenhar numa vida de amor, numa vida cotidiana. Parecia uma roupa que não lhe servisse... Dentro de si, evidenciava-se exilado do amor, das coisas sublimes, de lembranças que tinham uma raiz perdida.

S
entiu-se meio monstro; talvez amaldiçoado.

L
embrou-se de que tinha uma cliente. Subiu na moto e seguiu respirando o resto de sol que se acabava no vento frio da estrada.

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE, 27 de Abril de 2008.

Um comentário:

  1. Algo bem Boy Culture né?
    Há dias em que nossas obrigações são deixadas de lado e passamos a pensar no... nada!
    Pensar não no que somos ou o que podemos ser...
    Somente pensar.
    Deixar nossa mente decidir o que quer sem forçar-nos a estabelever o que se deve fazer.
    Uma forma de relaxar desse mundo "real".
    Todos somos de alguma forma "michês" desse mundo cheio de obrigações a serem cumpridas.
    Somos pessoas e não maquinas.
    As vezes até nós mesmo não lembramos disso.
    Sempre inspirador!
    Saudade amigo!

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