domingo, 13 de abril de 2008

FANTOCHES DE DEUS

Estou pouco a pouco esquecendo do seu olhar... Seus detalhes vão sumindo de minha mente como o castelo de areia que vai se transformar em duna por falta da umidade que lhe dê consistência... Não sei qual vai ser a sensação de não ter emoção nenhuma sua... O tempo se encarrega por si só de tudo isso... É um processo involuntário do meu coração, é o fim de uma via crucis; mas que me rende uma saudade antecipada. Eu queria não estar ligado ao lado efêmero das coisas; mas não posso ser esse baú de lembranças que querem ser o motivo principal de minha existência. Eu preciso aceitar essa destruição que o tempo opera em mim – essa ruína lenta, só perceptível porque sou um ótimo observador de mim mesmo. Aí você dirá que também restaram as fotografias, que em qualquer livro que abra também estará estampada a minha caligrafia ou um resto de perfume envelhecido... E você lembrará de mim também com distância, como se tudo só tivesse sido imaginado. Não, nesse tempo qualquer imagem desse passado não terá mais eco em mim e eu não lamentarei nada, porque o curso da vida não pode parar... Eu nem sei porque lembro disso agora... Talvez para compensar a futura mudez com a qual nos depararemos; talvez para que a palavra de hoje ria do tempo e reconstrua essa mágica sepultada no passado. Eu sei que você dirá que eu sou muito reticente; mas aí eu já nem vou me lamentar pela sua ignorância em relação a como eu sentia o mundo – vai ver eu até agradecia isso, porque você nunca me enxergou por inteiro. Eu fecho os olhos e ainda consigo construir seus contornos; eles já aparecem desfigurados. Antigamente, eles tinham o poder de me iluminar; hoje, infelizmente, têm um gosto aguado, de uma água desconhecida que não sacia a sede... Não sou eu que sou mal; não, também não é você! Seremos todos a melhor diversão das paixões, dos sentimentos que Deus colocou no mundo para nos governar e que depois, ao poder do acaso, descartam-nos sob a égide do tempo; de feridas que um dia, quiçá, cicatrizem; de presenças que precisem se exorcizar. Não, nós não podemos quase nada contra o que o mundo nos precisa fazer sentir...
Onde está a sua alma agora, nesta noite em que a insônia me inspira?


Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE, 14 de Abril de 2008.
P.S.: Para Danielle Leite Cavalcanti, que comunga de opinião idêntica e sempre me ilumina!

4 comentários:

  1. Dói as vezes pensar que somos passado.
    Sentir-se estranho em perceber que dores que pareciam ser inesquecíveis podem cair no esquecimento.
    Pensamentos constantes que agora parecem ser lembranças que podem cair no esquecimento.
    Não...
    Nem tudo pode ser esquecido.
    Há sempre mecanismos úteis que podemos utilizar para lembrar certas coisas.
    Mas apenas para lembrar, porque pode ser que não possamos sentí-las denovo.
    Um retrato fiel do que o tempo opera em nossos corações.
    Fico grato em poder contemplar seus sentimentos.

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  2. Amigo... vc já sabe o quanto este maravilhoso texto me emocionou por vc ter participado de tudo o que passei e simplesmente por ser o meu melhor amigo vc simplesmente decifrou a minha alma o meu mais puro e verdadeiro sentimento, vc arrancou dentro de mim e colocou nessas lindas palavras... Agradeço a Deus por ter um amigo assim inteligente,doce, o entendedor mais profundo da minha alma...
    TE AMOOO.

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  3. A� espero que igual voc� falou, o tempo se encarregue de transformar minhas tristes lembran�as, em boas lembran�as, e que eu possa um dia lembrar do amor da minha vida, e sentir felicidade por ter vivido momentos t�o bons, ao inv�s de chorar em te-los perdido. O curso da vida segue, mas certas perdas deixam esse curso sem rumo certo, sem destino, a merc� de alguma coisa mais forte que consiga pelo menos amenizar toda essa saudade, toda essa tristeza, toda essa dor que � a de perder um grande amor, uma pessoa especial, incompar�vel, que Deus p�s em meu caminho me proporcionando o tempo mais feliz da minha vida, e que tirou me proporcionando tamb�m o tempo mais triste.

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  4. E o pior de tudo, não tem como lutar contra isso, não tem remédio, ninguém vence a saudade,é uma luta covarde, que só o tempo pode talvez vence-la, e se não, pelo menos ameniza-la. No fim das contas se foi Deus quem deu tão grandioso presente, ele pode tira-lo, e não podemos julga-lo, e sim apenas ter fé e pedir forças pra enfrentar as coisas do jeito que ele quis.

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