quinta-feira, 10 de abril de 2008

PELIGROSO, MALDOSO Y MALICIOSO


Era assim que ele se definia... Seu quarto tinha cheiro de maconha e incenso. Parecia mais um templo, pois a atmosfera não era de um ambiente comum. O enorme quadro com a gravura de Bob Dylan e Joan Baez irradiava uma espécie de misticismo. Recebia-me sempre com bom humor e seus olhos vermelhos a adentrarem minha alma... Na sua picape velha rodavam ainda raros long-plays; a estante trazia livros desde Sartre e Simone; Clarice Lispector e Herman Hesse; teorias de Marx e Engels... Ele me convenceu a deixar de ser loira e me tornar ruiva, pois isso clarearia minhas idéias. Convidou-me a morar com ele no dia em que nos conhecemos. Não me prometeu paixão barata de pára-lamas de caminhão; mas me prometeu companheirismo, carinho e me evitar de qualquer solidão desoladora. Nosso nicho ficava no alto da Lapa, entre o barulho do velho bonde e cantorias de vagabundos a serestarem pelas madrugadas bêbadas. Chamava-me de "minha princesa" e todos os mais carinhosos adjetivos possíveis. Cozinhava bem e conseguiu me fazer feliz durante um bom tempo, até que se tornou socialista demais no amor; quando eu, na minha alma de mulher, instituíra um latifúndio em seu coração... Meu ciúme era termômetro do meu amor-próprio e este precisava ser minha dose maior. Sim, a traição me desrespeitava... Da maneira como ele entrou em minha vida, saiu. Lembrar dele traz sempre um sabor de riso bom, gosto de festa, de arrepio vadio na pele, de liberdade... Ele me ensinou que alguns venenos da vida podem ser deliciosos se tomados na dose certa e, com isso, me fez mais segura de mim mesma. Sua lacuna me fez perceber que tenho pernas capazes de trilhar meu próprio rumo, porque ele foi o meu maior desafio. Hoje, ironicamente, acaricio meu filho enquanto na TV, no canal do Governo, na tribuna, de paletó e gravata, ele discursa... Será que você ainda conserva aquele mesmo gosto dos primeiros tempos? Onde estará sepultada aquela preguiça mansa?
Hoje, você é apenas uma lembrança boa, como uma velha e bela fotografia perdida e reencontrada. Depois desse amor eu tive medo de precisar de alguém, eu tive tanto medo de me decepcionar... Encontrei a resposta no tempo, voando no vento, como na voz de Dylan e Baez: The answer, my friend, is blowing in the wind... A resposta sempre estará pairando no vento... E é só.

Hérlon Fernandes Gomes, 10 de Abril de 2008. Brejo Santo - CE.

P.S.: Para Freddie, com todo o meu carinho, à sua loucura ingênua e mansa, ao seu espírito liberto que me ensinou coisas felizes, ao seu sucesso perene - que seja sempre eterno! Para o Tubarão do Rio Branco, que me permitiu usar esse título que é praticamente uma marca resgistrada sua! Valeu Filipe!

4 comentários:

  1. Parabéns pelo texto!!! Gosto muito da suavidade e da sensibilidae com que vc escreve. Sou seu fã desde o 1º dia que visitei seu Blog e para sempre!

    Abração cara

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  2. Meu caro Hérlon, tenho certeza que é questão de tempo para que eu possa ver seu sucesso literário despencar. Quem o conhece intimamente percebe, na sua sutileza, grandes detalhes que você deixa nas entrelinhas. Sempre fui seu fã, vou continuar sendo! Quantas boas leituras compartilhamos... Você tem usado o passado muito bem... Abraços!

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  3. nada a dizer!!!! pois o que falaria de tamanha sensibilidade nas palavras, das "verdades" que gostaria de dizer a ela, e na forma que as coloca para não magoa-la, para mostra-la como tudo poderia ter sido diferente. sem explicação como sempre. um grande abraço!!!!!! adoro ler seus versos, vc me surpreende sempre.

    GNG VLPJC SXG FGLACT XO EQOGPVCTLQ CSXL.

    OGX RTLPEGNG

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  4. Penso que os leitores maliciosos como alguns de nossos pensamentos imaginarão que sou desolador de corações. ;)
    Aprendemos a ser assim.
    Não a sermos desoladores.
    Somos desolados que estão a aprender com nossas dores.
    O que padece a frente fortalece, já disse antes em reflexões anteriores...
    Bonito conceber a dor como uma força especial.
    Parabéns como de costume.

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