segunda-feira, 31 de março de 2008

QUASE DESENCONTRO


ELA
Fazia tempo que não se viam... Foi uma surpresa poder reencontrá-lo naquela sexta-feira à noite cheia de expectativas. Embora aquele reencontro enchesse seu íntimo de uma felicidade ímpar, não sabia como se comportar diante dele. Aproximou-se, cumprimentou-lhe, trocaram algumas palavras num discurso fático. Ainda ousou perguntar se ele iria a alguma boate. Respondeu que sim; no meio da madrugada estaria na Lost. Ela mentiu e disse que também estava programada a ir até lá, mas sabia que todas as amigas haviam combinado de estender a noitada em outro ambiente. Despediram-se rapidamente, fazendo votos de reencontrarem-se mais tarde. Quase euforicamente, conseguiu convencer as amigas a mudarem o itinerário e explicou o justo motivo: queria pelo menos um beijo dele!
Ela não beberia muito naquela noite, entrou na boate e ficou de olhos atentos à porta. Como um banho de água fria, percebeu que ele entrava acompanhado, de mãos dadas. Chegou ainda a cumprimentá-lo com um sorriso amarelo que só ela mesma reconhecia... Resolveu que não perderia a noite por conta do que julgou ser um pequeno equívoco. Aproveitou para dançar e curtir seus últimos dias de férias.
O lugar era agradável, sentia-se amiga das luzes, camuflando-se entre a fumaça. Sem que ninguém percebesse, observava-o, desejava-o. Imaginava-se sendo a outra, construía nos pensamentos a sensação daquele beijo, o sabor do perfume, a maciez daquela pele... A música ajudava-lhe, a pouca bebida instigava-a. Era uma voyeur na madrugada. Ria de si mesma, e o riso era malicioso, cheio de um prazer inédito, de se sentir possuída sem ser tocada em um fio de cabelo. Pronunciava em pensamento o nome do rapaz... Esqueceu-se dos outros homens que a admiravam e a desejavam, já que seus pensamentos voltavam-se para outro lugar. Qualquer outro desinteressava-lhe...
A noite inteira foi aquela contemplação estranha, cheia de um gosto especial.
Tinham sido colegas de faculdade, conversavam pouco, mas ela lembrava que adorava o teor daquelas conversas. Na época, estava noiva e a fidelidade era realmente algo que lhe importava. Alimentara apenas aquele desejo secreto... Mas agora, ali, queria uma oportunidade de provar daquela gentileza canalizada no passado... Voltou para casa com pensamentos intensos. Precisou de um banho pra dormir. Na noite seguinte, sairia, beberia demais e não perceberia que ele havia dedicado a noite a segui-la e a observá-la.
ELE
Ficou surpreso ao poder reencontrá-la, mas nunca soube seguramente como se portar diante dela, sentia-se pisando em ovos... Lamentou estar acompanhado de uma simples “ficante”, todavia não sabia ser cafajeste e também não suspeitava do quanto ela se interessava por ele. Ficou feliz em saber que não estava casada - era pelo menos algo animador...
Durante a noite, conseguiu observá-la por alguns relances e estranhou que a mesma não desse bola a nenhum dos outros que se aproximavam; talvez com ele não fosse diferente... Ele sempre tinha medo de confundir gentileza com outra coisa.

No sábado, ela não perceberia que estava sendo seguida. Fitava-a à distância de algumas mesas. Estava empolgada na tequila! Ele ainda estava acompanhado, não sabia se lamentava... Era melhor um pássaro na mão do que nenhum! Acompanhou-a no momento em que se levantara. Não rumava mais para a Lost, mas para a Caleidoscope, um ambiente mais movimentado.
Lá dentro, a atmosfera era de penumbra, quase escuridão. Conseguia percebê-la pelo ritmo frenético dos estroboscópios e da luz-negra que destacavam seu mini-vestido branco. O voyeur agora era ele, a desejá-la, a senti-la nos lábios da outra, a apertá-la em outra cintura.
Impressionou-se ao perceber que ela e outra amiga subiam no “queijo” e dançavam com um go go boy. Deslumbrou-se, pois nela toda sensualidade estava longe da vulgaridade... Excitou-se... A música ajudava... O grupo Lasgo ensurdecia o salão nas mãos do DJ Benny Benassi,a música parecia profetizar algo:

I can see it in your eyes
there's something

something you wanna tell me
I see it in your eyes
there's something that you hide from me
is there a reason why?
there's something
something you wanna tell me

I see it in your eyes
there's something that you hide from me.
A boate era cercada por uma passarela suspensa. Arranjou uma desculpa qualquer e convenceu a outra a dirigir-se até lá. Enquanto abraçava-a, com o queixo encostado em seu ombro, hipnotizava-se com aquela visão panorâmica. Desejou ser o go go boy, sentir a silhueta dela... Voltou para casa com os pensamentos entorpecidos... Encontrar-se-iam algum dia? Precisou de um banho para dormir. Quando os desejos de ambos se uniriam? Dentro de si algo anunciava essa certeza...

Hérlon Fernandes Gomes, 31 de março de 2008. Brejo Santo - CE

P.S.: Para você, de quem venho me desencontrando há um bom tempo...

sábado, 29 de março de 2008

BRAIN STORM - Em homenagem à Clarice Lispector


Bêbado, sem nexo, sem explicação, sem medir qualquer conseqüência, sem pensar palavras, sem acusar ninguém, sem querer se explicar... Sem querer saber o que felicita, sem nada exigir do mundo e, no entanto ,não se sentir satisfeito... Sem se descobrir, sem se sentir exato, sem se delimitar... Procurando os mesmos sinônimos... Achando-se ridículo, achando-se perdido... Quero enterrar qualquer passado que me anule, qualquer lembrança que me queira tornar inútil, qualquer lastro que me desemboque pro escuro... Sinto falta de tudo que me torne pleno, que seja inteiro, que me complete, que não me faça acostumar ao quase... Quero meus pulmões cheios, quero a quentura luminosa e agradável do sol; quero o rio que seja a paisagem que me leve à contemplação perfeita. Estou só, mas eu me basto. Eu preciso me bastar, porque minha consciência precisa encerrar um processo que me torne lúcido. Nada vai me enlouquecer, nada vai me desvirtuar, porque tudo o que eu penso precisa ensejar uma resposta calculada, algo que me entorpeça, algo que não me aprisione... Ai, essa busca maluca pela lucidez perene tem me consumido... Estou como alguém que tateia algo na escuridão em busca de uma saída, de uma explicação, de um interruptor que lhe guie até a luz... Espero o sono... E este talvez me leve a um sonho melhor do que tudo isso...

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE, 29 de Março de 2008.

sexta-feira, 28 de março de 2008

À ESPERA DE UM MILAGRE


O que fazer de um sentimento dominador? O que fazer desse amor que se transbordava e exigia a submissão dela a quem ela sabia que não deveria mais apostar? Sentia-se a vilã de si mesma. Comparar-se-ia à mãe que covardemente aborta um filho? Somos os maiores vilões de nós mesmos? Dera-se conta disso: somos o impulso ou o entrave. Ultimamente estava sendo essa coisa inerte, esse emaranhado de divagações que a levaria não sei aonde. Sua mente trabalhava processando o eco de suas atitudes, estudando o reflexo de seus sentimentos, planejando momentos que ela desejava ardentemente... Mas sua vida parecia não sair do lugar. Parecia até mesmo que Deus havia se esquecido dela. Às vezes sentia-se ridícula conversando com Ele, como um louco divagando teorias para platéia alguma. Ela era a culpada de tudo isso? Até que ponto somos culpados pelo nosso fracasso? Por que ela era esse espírito tão inquiridor? Desejou ser a mais ignorante das criaturas; desejou a conformação dos imbecis... Fazia tempo não sentia o gostinho da felicidade a fazer-lhe cócegas no âmago... Lembrou da infância... Como se sentia feliz nas férias de fim de ano... Como era boa a expectativa de poder viajar e ver o mar... Isso bastava para preenchê-la de vez! Seu ser parecia se tornar mais exigente; mas exigente de coisas que nem ela sabia definir. O que lhe faltava? Aparentemente coisas tão simples... O futuro lhe causava medo... Precisava, ó Deus, que uma força incógnita a libertasse... E isso era quase uma prece... Só Deus mesmo poderia libertá-la e ela se sentia merecedora de um milagre... Por que não, Deus? Achava-se meio injustiçada e quase praguejava contra o tempo, sem medo de castigos, desafiando as mágicas do universo... Quando seu tempo virá? Haverá um tempo de redenção? O que é preciso ser feito? A vida parecia uma receita e ela tinha pressa em ver qual seria o produto final.
Hérlon Fernandes Gomes - Brejo Santo - CE, 28 de março de 2008.

terça-feira, 25 de março de 2008

O REENCONTRO


Às vezes os sentimentos têm a capacidade de arrebatar-nos mesmo quando nos julgamos preparados para todo e qualquer embate. Ela era dessas pessoas que buscavam a razão como rainha controladora das emoções, dos medos, das fraquezas. Pensa-se uma mulher decidida, dona de decisões imutáveis, acreditada dos próprios princípios.
Nos últimos meses estava curtindo a própria solidão, assumindo o fim de um relacionamento que durante muito tempo foi seu horizonte, seu patamar de medida diante de todas as coisas que planejava.
No começo, foi um pouco difícil de se acostumar; mas tinha sido necessário – chega uma época em que é preciso procurar conservar pelo menos o respeito pelo par, em nome da felicidade vivida, de momentos ímpares de convivência... A ruína veio, destruiu o amor inabalável e, enfim, era tempo de recomeçar, porque a vida não pára.
Vestiu-se de maneira simples, mas elegante – como de costume. Maquilou-se na sua vaidade feminina, perfumou-se e desejou que a noite lhe fosse de surpresas. Chegou ao restaurante sozinha, os amigos todos estariam esperando por ela. Já de longe, percebeu que ele estava na mesa.
Seria um reencontro comum, ambos solteiros agora. Era preciso encarar os fatos, tocar o barco pra frente e procurar um novo fio na meada da vida. Não hesitou no passo, continuou altiva, exibindo sua simpatia gratuita. Desejou “boa noite” aos presentes e percebeu, ao lado dele, uma cadeira vazia e um copo manchado de batom nas bordas, denunciando a presença de uma mulher que, talvez, tivesse ido ao banheiro.
Ficou um pouco apreensiva, a tensão do ambiente era palpável. Os outros temiam bem mais por ela do que ela por si própria. O que aconteceu dali até a chegada da outra foi uma evolução de movimentos mecânicos, pensados no plano longínquo da mentira que tinha de se traduzir em gentileza.
Educada, sempre conseguiria ser, pois isso era sua essência. Aparentemente mantinha-se tranqüila, esboçava sorrisos seguros, não parecia titubear em nenhum momento; todavia sufocava-se pela tensão criada pelos amigos.
Conseguindo ser natural, chamou a amiga para acompanhá-la até o banheiro. De costas para todos, foi-se consumindo num rio de tristeza incontrolável. Sentiu-se estranha pelo vexame, surpreendeu-se com a incapacidade repentina em controlar aquele sentimento aterrador.
Do fundo d’alma, percebeu que conseguia desejar verdadeiramente a felicidade dos dois. Nos olhos dele, pôde enxergar o efêmero, o homem fugaz e superficial de sempre. Desejou que ele pudesse ter mais alma, enxergasse além do limite da carne, do material.
Descomposta, com a maquiagem abarrotada, rumou para casa, aconselhando à amiga uma desculpa qualquer na mesa.
Saiu como se esquecesse um pedaço de si. A noite, o frio, o vento e o espaço enorme que se abria em seu peito serviram de consolo. Sabia-se inteira e qualquer coisa no seu âmago colocava-a grandiosa diante do que acreditava.

Hérlon Fernandes Gomes, Fortaleza - CE, 22 de março de 2008.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Fortaleza - Capital do Sol

Minha homenagem à Fortaleza, esta cidade cosmopolita; cheia de contrastes, de encantos, de tentações; de muito sol, sal; da imponente arquitetura do império capitalista...





TERRAL
Composição: Hermenegildo Filho - Ednardo
Eu venho das dunas brancas
Onde eu queria ficar
Deitando os olhos cansados
Por onde a vida alcançar
Meu céu é pleno de paz
Sem chaminés ou fumaça
No peito enganos mil
Na Terra é pleno abril
Eu tenho a mão que aperreia, eu tenho o sol e areia
Eu sou da América, sul da América, South America
Eu sou a nata do lixo, eu sou o luxo da aldeia, eu sou do Ceará
Aldeia, Aldeota, estou batendo na porta prá lhe aperriá
Prá lhe aperriá, prá lhe aperriá
Eu sou a nata do lixo, eu sou o luxo da aldeia, eu sou do Ceará
A Praia do Futuro, o farol velho e o novo são os olhos do mar
São os olhos do mar, são os olhos do mar
O velho que apagado, o novo que espantado, vento a vida espalhou
Luzindo na madrugada, braços, corpos suados, na praia falando amor.

terça-feira, 18 de março de 2008

LUXÚRIA

Ela estava gostando de não gostar de ninguém. Era um período de grande liberdade; de muitas noites solitárias também. Já estava se acostumando a essa solidão como algo permanentemente normal.
Encontravam-se em horas vagas, ocasiões que surgissem equivocadamente, oportunidades de se curtirem durante um feriado prolongado. Eram mais amigos ou uma espécie nova de amantes?
Conheceram-se há mais de dez anos. Quando casada, ele lhe freqüentava a casa como amigo do casal, especificamente do marido Sérgio. Intimamente, como seu melhor segredo, ela alimentava fantasias eróticas com Danilo. Elas tinham um gosto especial porque se denotavam irrealizáveis. Era o máximo que seu respeito pelo par permitia em termos de traição. Não sentia isso como uma ameaça nas estruturas do casamento. Realmente, este se desfigurou diante de tantas outras coisas... Eram desilusões sobre as quais não queria pensar agora. Seus pensamentos retornavam para quem ela não definira uma ocupação determinada em sua vida.
Agora, além da amizade, dividiam a luxúria. Ela não estava ainda preparada em investir em um relacionamento com todas as praxes, já que se desiludira tanto... Tornou-se muito exigente no esteriótipo do que convencionou como homem ideal. Danilo estava muito longe disso. Era simplesmente sua química sensorial perfeita. Ele sabia como fazê-la se entregar ao limite do êxtase, a se livrar de qualquer pudor, a se dar ao luxo de explorar toda a sua capacidade feminina.
Trocavam opiniões sobre outros eventuais parceiros que encontravam - ele bem mais do que ela. Mas isso não gerava em nenhum qualquer espécie de ciúme; trazia até um tempero especial, porque não conseguiam cobrar ou estabelecer sobre o outro o peso de uma desconfiança, a carência que exige, o cotidiano que sufoca...
A entrega sem compromisso lhe conferia uma liberdade inédita. Era presa unicamente do seu desejo.

Hérlon Fernandes Gomes, Fortaleza-CE, 17 de março de 2008.

quinta-feira, 13 de março de 2008

CARTA A QUEM FICOU...


Quem é você? Será que seus medos possuem a mesma substância que os meus? Você que hoje é apenas um passado tão presente... Será que um dia conseguirei falar de mim a mim mesmo sem me achar ridículo? Sem me achar fora do controle? Sem me considerar dono do que eu sinto? Você conseguiu ser esse parâmetro ruim, mas ao mesmo tempo uma nova vereda que se abre pra mim, de difícil escolha. Acostumei-me a você como a água vai reconhecendo as arestas das rochas... Livrar-me disso não é fácil, mas sei que é necessário. Seu nome não é simplesmente um incômodo, agora tem cara de desafio. Pronuncio-o para desafiar-me. Seu nome que me rendeu inúmeros suspiros quentes... seu nome que me serviu de conforto em tantas situações. Não o apedrejo – seu nome guarda um quê de intacto em mim. Mas minhas promessas foram todas desfeitas... E, por incrível que pareça, eu só não agradeço porque pareceria pieguice demais. A vida tem me revelado novas nuances. As cores, os sabores, os sentidos, os objetivos... Tudo parece estar vestindo uma nova roupa e eu estou gostando dessa nova moda do mundo. Eu queria que você soubesse que um dia eu fui muito feliz ao seu lado, que tudo foi muito bom. E que daqui pra frente os tempos possam nos revelar eternas, novas e gratificantes surpresas!

Hérlon Fernandes Gomes, 13 de março de 2007 - 23h18min.

quarta-feira, 12 de março de 2008

MUDANÇA




Tentou almoçar, mas não sentiu fome. Dentro dela era somente aquele vazio que, de imenso, bastava. Precisava acompanhar o desmonte dos móveis e pintura das paredes. Era um dia de recomeço, depois de tentar em vão reviver rosas murchas de um jardim... Pois seu relacionamento era essa metáfora banal. Reconhecia o tempo feliz, o quanto tudo foi bom até quando conseguiu acreditar... Toda felicidade vale a pena? Até mesmo aquela que se esconde atrás de uma mentira? Os inocentes são perdoados... Achou-se patética naquela situação, sentiu-se ridícula ao se pegar discretamente chorando ao observar o rapaz desmontar a cama. Os poucos objetos que restavam no apartamento diziam muita coisa naquele domingo de tédio. Talvez nesse dia tenha descoberto que era feita de uma matéria diferente de muitas outras pessoas. Ela era mais sentimento do que qualquer outra coisa. Fechou a porta. Trancou um passado. Parou um momento diante da soleira. Intimamente sua alma fazia uma prece. Foi descendo as escadas como se flutuasse. Dentro de si, aflorava a inquietude de quem se esquecia de algo muito importante. Rememorou rapidamente uma lista... Nada? Voltou correndo até o lugar. Reabriu a porta, foi adentrando os cômodos e constatou o vazio sem eco. Esquecia-se do quê? Parece que se esquecia dela mesma... Certamente parte dela ficaria ali entranhada nas paredes, na sua solidez muda. Sepultada naquele vazio estava a esperança do que foi ela, revelada agora em fracasso, frustração, açoite... Talvez fosse bom pensar que ele não tinha existido? Pegou um táxi, pediu que rumasse para a rodoviária. Fim de tarde abafado. Chorava por trás dos óculos escuros. O tempo pouco a pouco fechava. O céu era só cinza. Sentiu a cumplicidade da natureza... Ela era aquela tormenta que se filtrava no sol poente e, de surpresa, abria no céu um arco-íris inteiro. Esboçou para Deus um sorriso amarelo e quis acreditar que tudo conspirava a seu favor.

Hérlon Fernandes Gomes, 12 de março de 2008.
P.S.: Para Maria de Fátima, que me fez enxergar inúmeras vezes que Deus prepara espetáculos exclusivos para nós!

segunda-feira, 10 de março de 2008

Inquietações...

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domingo, 9 de março de 2008

Surpresas acontecem...


INÉDITO
Lembras do que furtei de ti?
Além de um beijo,
Além desse perfume que trago em mim,
Ao alcance da pele
E que me recuso a banhar-me.
Trago de ti um gosto bom,
O gosto do incrível, do inusitado,
De um desejo consumado,
O valor de um sonho obtido.
Procurei o significado do teu nome,
Não encontrei...
Mas ficou em mim algo melhor que isso:
Ficou tua gentileza, teu caráter dócil,
Essa qualquer coisa que me fez sentir bem
Num final de madrugada sem perspectivas...
Voltei para casa assobiando pelas ruas desertas,
Esquecendo de um deserto de mim, agora antigo.
Fica qualquer coisa de loucura,
Fica qualquer coisa da brancura do teu sorriso,
Do tempo que eu gostaria que parasse,
Da surpresa que se revelou em algo tão próximo.
***
Temos agora a intimidade como identidade.
Nossos olhares jamais serão os mesmos.

Hérlon Fernandes Gomes, Janeiro de 2008.


Há coisas que a gente às vezes acredita que apenas acontecem no cinema por parecerem inverossímeis. Vez por outra, no entanto, a surpresa se apropria da gente como se nada quisesse construir, mas se apodera de tal maneira, transformando momentos fugazes em desejos permanentes, em lembranças capazes de arrancar risos no silêncio e adorar o inusitado da vida! Foi um dia intenso esse... Saudades de você, viu?

Passado incomunicável


PRETÉRITO MAIS-QUE-PERFEITO
Era um calor que arrepiava,
Uma plenitude mental,

Uma fome do fundo d’alma,

Um desejo inconseqüente,

Um êxtase – o estupor!

Era uma insônia agradável,

Uma entrega absoluta.

Era o conforto ainda no desconforto,

A cicatriz da ferida,

A cor do mundo, o adjetivo.

Era o doce derretendo na saliva

E a vontade insaciavelmente infantil.

***

Era um calor que arrepiava

E hoje nem resta saudade.

Hérlon Fernandes Gomes, in Geminianos - POEMAS DE DECOBERTA

quinta-feira, 6 de março de 2008

O quadro Árvore da Esperança foi pintado em 1946, quando a pintora se recuperava de mais uma cirurgia na coluna vertebral. Ao fundo, em pleno dia, Frida é a promessa da cicatriz feliz; enquanto na noite é o desejo de se ver curada de qualquer mal. O vermelho do seu vestido simboliza a luta! A visão deste quadro inspirou-me na realização do poema abaixo!


POEMA À FRIDA KAHLO (ÁRVORE DA ESPERANÇA)


POEMA À FRIDA KAHLO (ÁRVORE DA ESPERANÇA)

O azul do meu sonho enrubesce,
Sangra diante da minha dor.
O meu amor está tão perto,
O meu amor está tão distante...
A primavera já não me oferece todas as cores
E os espinhos das rosas massacram minh’alma.
Nunca esqueci o ser amado,
Mas todo esse sentimento devotado transbordou,
Sangrou no rio negro de minhas angústias.
Estou gelada, deram-me por morta...
Fito-me diante do espelho:
O que é o sonho?
Quisera ser a outra Frida,
A imagem menos dolorida,
A cicatriz no lugar da ferida.
***
O que é o sonho?
O meu azul enrubesce,
Sangra o meu amor despetalado.
(O meu amor levou a primavera consigo.).


Hérlon Fernandes Gomes, in Lágrimas - Poemas Mornos (2002-2003)

Sou um admirador do surrealismo de Frida Kahlo e de seu obsessivo amor por Diego Rivera

quarta-feira, 5 de março de 2008

DESEJO PROIBIDO


O que mais odiava em si, naquele momento, era esse sentimento de impotência. O que destruiu a relação foram pequenas coisas. Justamente por isso é que ela odiava esse tormento. Desejou cegamente ter um motivo para jogar na cara de Sérgio, porque sabia que qualquer outro comentário poderia mexer com os valores dele. Não tinha coragem de dizer-lhe que não se sentia satisfeita na cama – isso era algo que fazia corar a si própria... Queria que o marido fosse mais gentil, que procurasse dar importância às suas observações, que elogiasse sua beleza ao invés de distribuir elogios gratuitos e às vezes debochados para eventuais mulheres. Queria que o marido a beijasse com o mesmo fervor dos primeiros tempos, que gostasse de conversar antes de dormir. Não se tratava de extravagâncias nem exigências fúteis. Aos olhos dos outros, ele queria se mostrar o par perfeito: bonitos, ricos, simpáticos. Dentro de casa, entre quatro paredes, a vida era bem diferente... O pior é que ela se fazia de feliz, aceitava as regras desse jogo que a martirizava tanto. Sentia-se presa dentro da própria casa, presa na armadilha dos próprios sentimentos. Precisava arranjar uma maneira de contornar tudo isso. Sobre todas as coisas inexplicáveis e subentendidas, deveríamos encontrar uma saída. Estamos exatamente procurando o quê? Somos apenas uma realidade fisiológica a pisar neste chão? A inquietude é nossa melhor qualidade; o sonho é nosso mais sublime entretenimento. É madrugada, todos dormem. Ela permanece ali, afogada de questões, de dúvidas que não necessariamente precisam de respostas, esperando também que o sono a arrebate. Pensa no rapaz da boate, na vontade maluca de poder conhecer mais da sua intimidade, de poder adentrar bem mais nos seus dias, de talvez viverem uma paixão – como as muitas que imaginou. Quem realmente era ele? Que perfume se escondia debaixo dos seus cabelos? Ele ainda não tinha nome, era apenas aqueles dois olhos que fitaram os dela bem mais que uma dezena de vezes naquela noite. Neles, pôde sentir um certo calor; pôde ler, ainda que sem desvendar, uma tímida vontade de tê-la. Procurara um caminho de volta; deparou-se novamente dentro daqueles olhos e entrou em contato com a seriedade daquela boca, sem esboço de sorriso algum... Ficara curiosa. Fazia tempo que não se sentia assim: desejada, envaidecida, envergonhada. Agora, sem sono, na madrugada, enquanto o marido dormia, encontrava-se ali, perturbando-se por outro homem, contaminando-se desse feitiço nem bom nem ruim... O sabor de um orgasmo traído seria misto de paixão e remorso? Procurava interpretar o reflexo de sua presença na existência do desconhecido. Tentava idealizar os desejos do rapaz em relação aos dela. Tinham gosto de malícia, um pouco de cheiro sangüíneo, um pouco do gosto de doce queimado... Sérgio não era um bom amante. Era egoísta e não sabia interpretar o silêncio e a quietude da esposa. Não se doava, não era ardente. Ela já tivera outros que o fazia de maneira singular. Isso povoava sua imaginação de inúmeras coisas... Coisas que esses maus amantes esquecem de realizar. Não a interessava saber o timbre daquela voz, nem muito menos os medos dele; queria apenas sentir sua presença, sentir-se também um bocado importante para ele. Precisava ser notada, valorizada. Sonhou que beijava o desconhecido mansamente, clandestinamente e que ele deixou um pouco de perfume em todo o vestido, nas mãos... Sonhou com o gosto da saliva e teve certeza de que o encontro dos dois olhares tinha valido a pena.

(Hérlon Fernandes Gomes)

VAIDADE




Ela gostava de rever antigas fotografias de si própria. Parecia que o tempo conferia às mesmas uma certa beleza inovadora. Percebia que quanto mais o tempo passava, ficava cada vez mais bela naqueles retratos passados. Percebeu que envelhecia. As estampas denotavam o lapidar do tempo no seu rosto.
Sentiu medo? Não era bem medo. Era uma saudade misturada com um sentimento sem nome: misto de frustração e arrependimento. Naquele tempo se achava mais feliz, analisando agora do prisma presente; mas no momento exato do flash, certamente não tinha se apercebido disso. Sempre achara que o futuro seria de dias melhores, a esperança a enchia de uma certeza luminosa por dias melhores. Seria assim amanhã? Talvez quando avistasse fotografias de dez anos vindouros sentiria a mesma sensação – sensação de que se perdeu algo que poderia ter conquistado. O que seria, meu Deus?
Sua pele tinha um brilho... O sorriso era bem mais aberto, os dentes mais brancos. Do que ria? Ou só ria para aparentar feliz? Fazia tempo que não saía de casa, não ia a festas, não tinha uma vida social como antes. A viuvez lhe tirara certas coisas. Alimentava obrigatoriamente um pudor que não gostaria de fazê-lo. Achava que a vaidade faria mal para uma viúva. Não que certas coisas maculassem a memória do falecido. Não era por ele.
Estava deixando de ser ela mesma.

(Hérlon Fernandes Gomes)