quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O CANTO DO VIM-VIM




Como exigir do Tempo para que faça com que as goiabeiras frutifiquem mangas? Como exigir do mar que sua água escorra doce pela praia? Seria a mesma coisa exigir de si mesma que esquecesse de sentir seus pesares de amor, que usasse a frieza da razão quando o coração era todo o seu império; quando seu combustível era todo esse fogo que a consumia e ao mesmo tempo era sua luz de encantamento.
Mesmo que ela sofresse depois, mesmo que ela terminasse o final de sua jornada rememorando planos fracassados, ainda assim sentiria que aquele tempo vivido teria valido a pena, porque se sabia convictamente impotente diante do controle das emoções dos outros.
Sabia amar por si mesma. Às vezes cometia o triste engano de querer amar pelos dois. Sabia a poesia do que sentia; mas continuaria sempre cega diante do que ofertava aos homens, porque ninguém pode querer dirigir o destino do coração de outrem e, por isso, seria impossível precisar numa balança as grandezas do amor de quem ama e de quem é amado. Ela poderia muito bem tocar sua vida pra frente sem querer conhecer a exatidão dessas respostas.
Sentia que vivia uma frustração pelo fim da primavera de um amor. Haveria um amor-paixão pleno de um ser humano para com outro? Haveria esse desejo permanente de se integrar numa simbiose de almas? Seria justo pedir a Deus que isso acontecesse em sua vida? Quando se atordoava assim por essas questões sem respostas imediatas, apenas um café forte e meio amargo acordava-a desse coma sentimental...
Não nascera para se acostumar em castrar o que sua alma teimava em sentir, por mais que lhe dissessem que ela poderia pintar sua aquarela com outras nuances... Não! Ela nascera toda feita de amor; ela era toda sentimento e jamais poderia arruinar seu coração com os ditames frios da razão. Não! A água que saciava sua sede não podia ser bebida simplesmente nas fontes que lhes prescreviam. Não nascera para viver da receita dos outros, porque conhecia seu próprio mecanismo, porque não se fartaria em mapas que lhe prometiam falsos tesouros. Intimamente, esquecer de amar equivaleria a um sacrilégio para sua essência. Era simples ouvir dos outros mirabolantes conselhos; era fácil na boca dos outros a solução pros seus dilemas imateriais...
Terminou o café e recebeu uma visita incomum: o pássaro Vim-Vim entoava seu canto misterioso no alto de uma goiabeira... “Como exigir do Tempo para que faça com que as goiabeiras frutifiquem mangas?”
No Cariri, há uma crença acerca do canto dessa ave. Dizem que o Vim-Vim carrega no seu canto notícias boas ou ruins. Resta a quem o escuta, questioná-lo: “se for notícia de bem, fique; se for notícia ruim, vá embora.” Intimamente questinou ao Vim-vim se seriam boas as notícias para seu coração. O pássaro se demorou por quase todo o fim da tarde a desfiar-lhe augúrios de boa sorte...
Era dela se encher de esperanças. É de quem ama demais querer acreditar que, amanhã, uma emoção melhor que a de hoje animará melhor a festa de seus sentimentos mais caros.
Ela nascera para acreditar em anjos, fadas, na voz do coração e também na sorte trazida no canto de um Vim-vim.


P.S.: Aos que amam demais.


Hérlon Fernandes Gomes

sábado, 7 de novembro de 2009

MIGALHAS



Sentia-se diferente dos outros, como se tivesse sido forjado de uma matéria diferente dos outros humanos, como se nele pulsasse um espírito não tão comum nessa selva de tantos cegos. Era tão inexato que qualquer tentativa de explicá-lo acabava no devaneio, em rascunhos que pouco sugeriam; mas bem no seu íntimo habitava uma essência comum. Ali ele se refugiava, ali ele alimentava os desejos que poderiam completá-lo, os argumentos que finalmente pudessem explicá-lo diante dos outros.
O que esperava do mundo? Esperava tantas coisas... Que Deus se compadecesse de seus sonhos e enchesse seus caminhos de primaveras, mesmo quando os tempos chorassem tempestades de desolação.
Naquele dia, sentia que a solidão estava embaçando a transparência de sua luz. Não tinha reparado muito bem, mas agora descobria que fome era aquela, que sede era aquela, que inquietação era aquela que lhe pertubava o íntimo.
Resolveu sair sozinho, procurar um bar e exercer sua filosofia de boêmio, ouvindo sua história ser cantada na voz de quem também amou demais. Amou demais? Ás vezes ele tinha dúvida se amara demais... Queria que sua esperança tivesse razão e provasse que aquilo não fora amor. Amor desacredita a gente? “Só mais uma dose...” Sentiu falta de uma quentura, de uma cumplicidade, de uma palavra que pudesse servir de parâmetro para suas escolhas, que pudesse dizer que o seu velho jeans precisava ser aposentado... Saudade de um perfume, saudade de toda uma existência que ele cismava em acreditar que não se construiria como imaginava...
Do outro lado do bar, uma moça o observava. Parecia sozinha. Sozinha como ele, de lábios sem dono, de alma livre, calores solitários...  Ele se aproximou, fez um comentário qualquer sobre a música que tocava, ofereceu uma bebida. 
Não agiriam como estranhos naquela noite. Teriam piedade de si mesmos, criariam uma atmosfera de intimidade que lhes permitisse montar a cumplicidade que tanto desejavam. Dividiriam suas químicas, enganariam seus próprios corações com mais um amor descartável, com aquela felicidade que se rasga assim como a cigarra, de uma vez só.
Haveria um nome para relembrar? Ainda tinham esperanças de que as migalhas um dia se transformassem em banquete; sonhavam que alguém cantasse o final de suas histórias de uma maneira mais feliz. 
Dormiriam abraçados, como se se conhecessem de outras vidas.


Hérlon Fernandes Gomes