sábado, 22 de novembro de 2008

DO DIÁRIO DE LAURA


Às vezes tenho medo de estar forçando os meus limites e, assim, adentrando demais na tua vida. Às vezes eu não sei como me portar diante de ti, não ensaiar nem escolher as palavras que cairiam como uma luva... Isso é ruim. É sinal que não nos conhecemos, é sinal que não me deixas à vontade diante ti, além de quando nos entregamos aos nossos desejos. Nem sei ao certo que sentimento é esse que me domina, nem sei se tudo tem valido a pena. Eu sei que poderia (deveria?) aceitar tudo o que temos vivido com o gosto de acaso, não teria sido necessário eu me prender nas esperanças que não me destes (as quais também não pedi...). É por isso que permaneço a maior parte do tempo calado, porque esse silêncio tem sido o meu melhor refúgio. Pensei que fosse mais simples ignorar tua existência, pensei que serias mais um capricho meu... Finjo que não te observo. Mas de tanto fingir, rezo para que meu fingimento se convença de ser uma verdade.


Hérlon Fernandes Gomes, 22 de novembro de 2008.

Para Eve.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

FIM DE VERÃO (INDIFERENÇA)

Ele sentia que o silêncio dela esgotara-o por completo. Já tinha dado o tempo necessário para que ela se manifestasse numa atitude mais engajada. Aguardou por uma surpresa que fosse, algo inusitado; mas ela parecia incapaz de algum movimento a esse respeito. E os ideais dele foram novamente de água a baixo...

Talvez a liberdade que se permitiram tenha contribuído para o fim do que não começou. Qual a base de um relacionamento entre dois amantes clandestinos? O que os movia era meramente a química do sexo, essa vontade maluca de um devorar o outro para se arrepiarem no final... Isso era tão explosivo, isso era tão... Mas não era o bastante. Também não havia o que lamentar – não existiam laços que os prendessem; nenhuma história mais consistente seguraria uma conversa mais profunda... A sinceridade com que se tratavam aniquilou qualquer possibilidade de fantasia. Mundos diferentes, gostos diferentes...

Era necessário colocar um ponto final em tudo aquilo porque ele tinha medo de como as coisas se enraizavam sorrateiramente no seu íntimo e não queria ir embora tendo a impressão de ter esquecido uma parte importante de si. A despeito da informalidade que revestia aquele acordo do instinto, escolheu a indiferença pura e simples como resposta a esse final de relacionamento incomum. Sentiu dentro de si todo o cinza que cobria o final da tarde. Precisaria de um guarda-chuva.

Passou a desejar ser o plano feliz de alguém.

Hérlon Fernandes Gomes

12 de Novembro de 2008.


terça-feira, 4 de novembro de 2008

VAMPIRO DE ALMAS (CORRESPONDÊNCIA)

Cara Mary Shelley.

 

Ele já não assusta mais. Hoje, parece um conto macabro de Edgar Allan Poe – é mais poético do que assustador. Mas em algum momento existiu. Lembro-me dele para me certificar que me exorcizei de seus feitiços, que meu sangue está limpo daquele veneno que se disfarçava de mágica. Olhando a cronologia das fotografias consigo perceber sua erosão em mim, a ruína que se operava de maneira quase imperceptível. E o segredo estava nesse “quase”.

Eu estive definhando, não fisicamente... As fotografias são capazes de registrar além do superficial e é sobre esse segundo plano ao qual me refiro. Não é tão simples de compreender, mas tenho certeza de que outras pessoas são vítimas dessas criaturas atemporais, porque atacam de dia e de noite, sobre todas as maneiras... Vão apagando nossa chama mais importante, vão nos colocando na berlinda, porque o centro do palco deve pertencê-las. 

Ele me esvaziava a alma, eu me tornava pequena e resignada. O sol me arrepiava porque a luz me era escassa e isso era um prazer engraçado - como um gozo que, de tão bom, às vezes dói... Eu era a cada dia mais sombra... As fotografias denotam isso: um vulto cada vez mais imperceptível. Eu era a vergonha do medo dele,  sua mentira mesquinha camuflada de verdade.

Curei-me na primavera, em dias quando Deus nos presenteia com um dos seus milagres... Minha tristeza me levou até o jardim. Diante de um espelho d'água eu não pude enxergar o meu reflexo. A brisa, que de tão sublime me doeu na face, atentou-me desse infortúnio. Revigorei-me no orvalho das flores, numa esperança que me pousou no ombro, no suspiro profundo que me fez notar as batidas do meu coração.

Insisto em dizer-lhe que as fotografias são as provas incontestes dessa presença e elas me mostram as falsas tintas dessa criatura do medo: tons de uma felicidade postiça de eternidade.

Com votos de que estas linhas encoragem-na, amiga.

 

Cathy.

Morro dos Ventos Uivantes. Sem tempo.

 

P.S.: Seguem as fotografias como atestado do que conto. Peço que observe as suas e compare-as também.

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Hérlon Fernandes Gomes

04 de Novembro de 2008 (Madrugada quente)

Para meu amigo Ivan, um caça vampiros digno de um Van Helsing!

sábado, 1 de novembro de 2008

DE VOLTA PARA CASA

Eu sou apenas isto que quero ser neste retorno. Nada me força, nada me compele a nada – é um retorno voluntário, de uma natureza que me faz conhecer qualquer caminho. As ruas estão desertas, apenas um gato preto com uma corrente gravada no pescoço me denota que existem outros humanos além de mim. Além do barulho das scanias na BR que me faz comparar minha solidão a desses caminhoneiros nessas boleias solitárias... Não, não é uma solidão mórbida, nada me causa pena – é apenas contemplativo.

Em casa, um banho finge me revigorar de todo o cigarro, de todo o álcool, de todo este momento que me pertence. As ruas estão desertas – nenhum vivente, apenas eu e essa escuridão surda; apenas eu e Deus... E tudo me preenche, e nada me põe insatisfeito... Já não escolho olhares, já não me construo em desejos que me bastariam, porque todos eles são mesquinhos. Estou me bastando, estou aprendendo a ser mais paciente, a permanecer mais no silêncio, a ouvir o que minha alma me diz sem me prometer uma receita de felicidade.Não há nenhuma emoção ruim que me contamine – eu vou dormir antes disso, eu vou fugir de qualquer feitiço, eu vou sumir de qualquer maldição...

Hérlon Fernandes Gomes

P.S: Para quem mesmo? Queria dedicar a alguém.. Dedico a você que se identifique.