quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

O HOMEM QUE ENGARRAFAVA NUVENS


Afinal, o Cariri é cearense? Como caririense da gema, natural de Brejo Santo e perambulador entre as cercanias de Juazeiro do Norte e do Crato, lugares de onde reconheço minha formação intelectual, cultural e, portanto, humana, devo afirmar, confirmando as suspeitas de muitos dos meus conterrâneos, que o Cariri é meio Ceará e meio Pernambuco, assim como a parceria musical de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.

Hoje, minha aparente noite de quarta-feira insossa foi coroada com uma surpresa de poesia através do Canal Brasil: o documentário O Homem Que Engarrafava Nuvens (2010). Dirigido por Lírio Ferreira, esse belo trabalho explora o gênio do compositor Humberto Teixeira - cearense de Iguatu que, juntamente com Luiz Gonzaga - o pernambucano de Exu, foram alma e corpo do baião brasileiro, esse ritmo universal.

Guiado sob o enfoque de Denise Drummond, filha de Humberto, o documentário traça um paralelo entre o homem e o artista que formam esse gênio do sertão, da mesma maneira em que alarga o compasso para traçar o ângulo infinito de alcance desse ritmo que é uma quintessência para a Bossa Nova, Tropicália, o rock and roll de Raul Seixas e até a fabulosa tese de que tenha influenciado Bob Marley, na longínqua Jamaica, a criar o reggae.

O filme é aquilatado por depoimentos dos mais instigantes ou trechos de performances musicais, como os de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Sivuca, Gal Costa, David Byrne, Fagner, Belchior, Mutantes, Elba Ramanho, Alceu Valença, Cordel do Fogo Encantado, Otto, Bebel Gilberto... Tudo isso para formar uma colcha de retalhos onde, em cada pequena e rara estampa, está a marca de Humberto Teixeira, um sentidor da alma sertaneja que universalizou nossa cultura através do baião, esse ritmo sem fronteiras.


Distante da minha terra, do meu Cariri saudoso, eu me arrepiei durante a exibição do filme e tanto me envaideci por ser cearense, por ser caririense, por viver essa dicotomia pernambucano-cearense. Vale muito a pena assisitir para se sentir orgulhoso de ser brasileiro, para se prestigiar o rico trabalho de Lírio Ferreira, idealizador de um roteiro magnífico e diretor deste que é um dos melhores documentários já produzidos até então. 

Hérlon Fernandes Gomes

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

PÁSSAROS SEM CANÇÃO - UM ROMANCE DE CORAGEM




O bom contador de histórias é aquele que, conhecedor de sua trama, faz com que o leitor/ouvinte se deixe suspenso na teia da expectativa montada pelo seu criador.

O Sr. Jards Nobre, natural de Quixadá, no Ceará, não obstante toda a formação acadêmica que lhe garanta segurança na sua escrita, parece mesmo ter herdado, esse dom de romancear fatos, desses conhecidos contadores de ‘causos’ que habitam os interiores do sertão cearense - dada sua invejável capacidade de prender o leitor nas suas expectativas deixadas ao fim de cada capítulo.

 O jovem escritor de que ora se trata, no entanto, traz em sua algibeira da mente histórias que não se lançam em qualquer roda de prosa, porque seu signo de provocação seria dissonante para ouvidos hipócritas, tão comuns na falseada sociedade dita batuta da moral e dos bons costumes.

O romance Pássaros sem Canção é, antes de tudo, um livro corajoso, universal, nascido em tempo de estação; é, por isso, fruto exótico, maduro, de gosto incomum dessa árvore quixadense, rara e espinhosa como o mandacaru.

Livro corajoso porque essa polêmica história de amor entre dois rapazes adolescentes, no interior do sertão nordestino, pode ser publicada em uma época onde a liberdade de expressão é garantia constitucional de ordem neste País; sobretudo quando as instituições garantidoras das liberdades individuais vêm sanando as omissões legais e ignominiosas deixadas ao longo do tempo na sociedade brasileira.

Livro universal porque carrega como tema o amor proibido, o amor que deve se sublimar e fenecer diante de dogmas, de regras preestabelecidas e incontestáveis para os que não têm medo de ousar.

Bernardo Guimarães, ao escrever seu romance O Seminarista, obra-prima do Romantismo brasileiro, ‘obrigou-se’ a matar a heroína da história bem como a enlouquecer o protagonista Eugênio, porque uma história de amor, a contrariar o celibato, seria escandalosa demais para ser aceita em uma época tão marcada pelos valores cristãos.

Adolfo Caminha, cearense como Jards Nobre, ao publicar Bom-Crioulo, não imaginaria que a  história de amor entre dois marinheiros, um negro e um loiro, de fim trágico, fosse lhe render a expulsão do cargo que ocupava na Marinha brasileira. De igual modo, notórias foram as angústias sofridas por Raul Pompéia, o que lhe levou supostamente ao suicídio, quando da publicação de O Ateneu, obra também naturalista, que disseca as descobertas sexuais das mais variadas, incluindo as homoafetivas, entre alunos de um respeitado internato.

O assunto, pois bem, não é novo; mas a forma como é posto, sim.

Pássaros sem Canção não é um livro de gueto, não é um livro de militância homoafetiva. A polêmica história desse amor proibido, embora seja o núcleo nevrálgico do romance, desemboca em outras sendas de relevante importância a desenharem o mapa de uma sociedade hipócrita, que salvaguarda as atitudes grotescas do fazendeiro capitalista Armando; que coroa a atitude complacente e submissa da mulher sertaneja Júlia; que conforma o destino fatal de jovens moças embrenhadas pela caatinga, como Corrinha e Adelina, à mercê de casamentos arranjados ante a falta de perspectiva trazida pelo semianalfabetismo e falta de outras oportunidades...

Se Pássaros sem Canção traz o agouro da tragédia em si, é por outro lado um banquete onde os instintos se entregam a mais absoluta liberdade, na clara alusão do zoomorfismo, tão própria dos naturalistas, de quem o Sr. Jards Nobre é um grande discípulo.

Todo o enredo é desenrolado, como agradável novelo de lã, por um narrador experiente, que vai montando seu quebra-cabeças e enfeitiça o leitor com a vontade de que a próxima peça seja colocada para que se tenha, por fim, a visão completa desse ‘árido-movie’, rodado entre juremas, estradas de chão batido e seixos, banhos de barragem, luares do sertão e aquele nó na garganta que só se desengasga com lágrimas sinceras.


É por fim, uma história de amor, que apesar de nascer em tempos de liberdade, não se pereniza. Como a flor do mandacaru, é espécime exótica incrustada por espinhos e de vida efêmera; mas prenúncio de boas promessas, pois traz em si o gosto da esperança.

Hérlon Fernandes Gomes

07 de Novembro de 2013.

terça-feira, 14 de maio de 2013

O VIAJANTE



Há essa corrida cega e incansável do meu coração,

Essa promessa pelo porto tranquilo onde atraque o suspiro contido de descanso.

Há esse desejo pelo encontro do precipício sem fundo

Onde eu derrame os mares de solidão insossa que me adulteram a saliva

E  borram de esquecimento  lembranças de beijos que deveriam ser eternas...

Essas vontades todas se enchem de esperanças no sono,

Oram, antes de adormecer, por um amanhã de plenitude

Onde o presente da sede seja um banho de chuva,

A saudade da paixão empoeirada se coroe no matrimônio de almas

E a felicidade nasça, enfim, com a espontaneidade das flores sem nome,

Que se multiplicam sem porquê e vestem a nudez dos meus caminhos.


Hérlon Fernandes Gomes, 13 de Maio de 2013.

domingo, 14 de abril de 2013

BREJO SANTO




É aqui onde me ajoelho e beijo a terra,

Corpo da metafísica enigmática da semente.

É nesta terra onde sepulto silenciosamente meus dramas

Porque ela me conhece as linhas do coração

Como o sabe o quilate dos seixos enveredados de onde persigo.

É aqui onde me dispo, porque aqui aprendi a ser nu,

Natural como os marmeleiros que perfumam as cercas,

Livre como a luz, inconsequente ao invadir a escuridão.

É aqui onde não me perco, porque todos os ventos me são cúmplices,

O tempo me entrega os ponteiros e eu escolho as eras:

Visito praças em que ainda sou menino,

Enceno em palcos que me quis artista

Brindo em copos com quem só fui festa.

É aqui a estação de onde mais me dói partir

Porque minha mãe me acena distante do trem

Enquanto me abençoa os sonhos e me prediz o melhor futuro.

É aqui onde me reconheço e por isso retorno

Quando a essência de mim sugere se esquecer

Então eu volto em busca dos originais contornos

Ao som das zabumbas, com gosto de peroba,

Esquecido de angústias, animado de encantos.

***

É aqui onde me ajoelho e beijo a terra,

Porque esse chão me sabe ser firme e santo.



Hérlon Fernandes Gomes


14 de Abril de 2013

É a primeira coisa que escrevo assim diretamente sobre minha terra. Hoje estava lendo Drummond, num famoso poema em que ele relembra sua cidade mineira: "Itabira é apenas um retrato na parede, mas como dói". Revendo fotografias e memórias, bateu-me essa dor de saudade e então me dei conta do quanto Brejo Santo é importante para mim como ser humano, porque é minha raiz, foi daí de onde recebi as primeiras impressões do mundo. Felizmente, Brejo Santo não é somente um retrato na parede. Retorno sempre que possível e me sinto sempre mais revigorado e mais certo de mim. Um abraço a todos os conterrâneos. Saudade é minha canção recorrente. 

Especialmente, esta fotografia de Glauber Oliveira me serviu de combustível catalisador no caminho desse poema fácil, porque presente singelo e sincero da alma. Continue imprimindo seu olhar poético pelos recantos do nosso torrão, amigo!

quinta-feira, 11 de abril de 2013

CLAMOR DE INSPIRAÇÃO







Eu me deito, sem sono


E espero que me visites,


Espero que me preenchas


E me pintes com ideias claras.


Eu me levanto e rodeio os cômodos


Enquanto aguardo tua iluminação perene,


Teu lampejo de conforto


Que me ponha útil nesse ofício sem capital


- a poesia.


Eu te procuro entre cafés amargos,


Sob estrelas distantes, entre esferas vagas.


Eu te entrego tudo o que sou:


Inspiração, desassossego da carne, jardim bem cuidado...


E espero que me retribuas em mais mistério.


***


Há angústia e medo se acumulando pelos cantos;


Há promessa de amor me atravessando o continente


Regando de desejos essas esperanças sedentas e sertanejas.




Hérlon Fernandes Gomes

11/04/13 - Madrugada

domingo, 31 de março de 2013

PARTITURA PARA UM TANGO



Tu possuis o código secreto que me decifra

E a palavra antecipada ainda em ensaio no meu coração.

Tu me sabes todos os perfumes de pensamento

E as angústias que me maceram o peito.

Tu me dizes as coisas mais doces e me consolas entre dois oceanos.

Eu atravessarei florestas tropicais, não sucumbirei ao frio dos Andes

Para aprender tua lição de tango,

Para conhecer o teu cheiro, com rosa na boca,

E me afogar nos teus olhos de ressaca.

Eu me perderei nos labirintos do teu corpo,

E te cantarei uma canção desesperada.

De amor serão nossas promessas,

A eternidade coroará nossos minutos.

Quero ser teu e que tu me pertenças

Por esse rosário de sonhos que minha fé debulha.


Hérlon Fernandes Gomes

31 de Março de 2013.

P.S.: Lerás e saberás que este é todo teu. Com carinho.

terça-feira, 5 de março de 2013

DE COR



Sou peso leve de se guardar nas algibeiras do coração

Ou de se disfarçar abandonado entre os búzios vários da praia.


Sou o perfume que anseia por seduzir


Ou a brisa leve que se confunde num dejá vù.


As dores podem me desolar, mas nenhuma me aniquila.


Da pior treva, consigo consolo no escuro.


De definitivo não tenho nada, mas sonho.


E é nesse espaço onde coleciono as esperanças que me inspiram seguir em frente.



Hérlon Fernandes Gomes - Brejo Santo - CE 05/03/2013

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

ENCANTO DO MAR


 


É quando dois olhos se seduzem

E se dizem coisas que não caberiam às palavras.

É quando o mar pertence a dois


E o sol nos ilumina, nos doura e nos enfeitiça.

E quando o beijo acontece,

Essas bocas sabem que já foram unidas

Em desejos e vidas esquecidas de eras longínquas.

***

Eu me deixo pertencer-te,

Eu te entrego todo o meu corpo para que seja teu

Nesse tempo breve e abençoado pela eternidade.

Não quero dormir, teu conforto é melhor que o sono.

Quero me perder em promessas impossíveis

Enquanto meus dedos percorrem os caracóis dos teus cabelos.

***

Eu ficarei sem ti...

Mas as estações me trarão toda essa vida quente com o mar

E em breve seremos nós, como agora, novamente sob o sol.



Hérlon Fernandes Gomes

28 de Fevereiro de 2013, ouvindo o canto no monte.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

A SOLIDÃO


Não se deve temê-la,

Não se recomenda esperá-la nem cultivá-la.

A solidão é sufocante quando comiseradamente idolatrada.

Deve-se recebê-la, aceitá-la, compreendê-la.

Ela é nossa capacidade íntima de tolerância,

É o espelho refletor do quanto nos suportamos;

É o silêncio, lousa limpa e aberta aos nossos questionamentos mais secretos.

Se a solidão te desola, ela pode ter outra faceta,

Não escancaradamente óbvia...

É preciso se despir,

É preciso se desafiar

E encarar o inimigo mudo que também habita esse escuro.

A calada solidão pode te cantar surpresas felizes,

Alimentar forças de lucidez que nem julgavas possuir.

Eras de renovação hão de surgir

E esse poço aparentemente aterrador

Será um conforto necessário.




Hérlon Fernandes Gomes

02 de Fevereiro de 2013.