sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

ETERNO OUTONO

           Era uma solidão desoladora. A velhice combinou-se também à saudade. Tantas pessoas importantes na vida de qualquer ser humano normal, perdidas durante estes longos anos: pais, marido, as irmãs mais unidas, tantos amigos... Criara tantos filhos... A casa às vezes revivia épocas passadas. O tempo passava lentamente e fazia a velha senhora relembrar, para não enlouquecer, esses momentos vivos.

            Os sentimentos exalavam cheiro de baús esquecidos, onde ela atestava as felicidades do passado. José, Isaura, Miguel, Alice... Nomes que só eram reconstruídos porque apenas ela vivia sobre esta terra. Todos se foram... Sua vida passou a ser um fardo para si mesma? Tinha medo de estar concordando com isso...

            Suas companhias freqüentes tornaram-se em um gato, um sabiá e algumas plantas no jardim, que definhava à medida que sua artrite consumia-lhe os ossos. As tardes vez por outra ganhavam cores, quando desenterrava da estante os velhos vinis... Lembrava que já pôde dançar, que os perfumes enfeitiçaram sua mente com outros desejos...

            Um disco de tango tocava no presente, tocava no passado... Diante do espelho ela se assustava; aceitava, perplexa, essa erosão do tempo que se vingava de sua graça. Diante da penteadeira, deparou-se com objetos sem serventia: uma caixa de pó, um batom, um perfume vencido, uma presilha de madrepérola. Penteou-se e seu cabelo denotava que o tempo teimava em apagar suas cores; ajeitou a presilha a um canto do cabelo – como no passado. O pó de arroz acentuou-lhe a fantasmagoria; o carmim nos lábios, os traços cômicos (?), trágicos (?)... 

    Reconstruiu-se no passado, era tão leve e cheia de esperanças... Ia valsando tropegamente pelos mosaicos encardidos. Reencontrava os nomes do passado, conversava alto, até que o disco acabava... Um dia fora pega de surpresa pela visita inesperada da filha, pintada dessa maneira... “Uma velha gagá”, quem havia pensado nisso? O que é a senilidade? No que a solidão nos transforma? Por que a velhice em sua vida fora sempre um eterno outono?

 

 

Hérlon Fernandes Gomes

13 de fevereiro de 2009 (sexta-feira)