"O sertão não tem janelas nem portas.
E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa..."
(Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas. p. 374)
Mata
Branca é o terceiro livro de Jards Nobre, escritor quixadaense, um
estudioso da linguagem e exímio observador da gente nordestina. Já
havia lido os romances anteriores do autor, Curral de Pedras e
Pássaros sem Canção. Li, portanto, esse novo livro de contos já
vestido pelas experiências trazidas dessas outras obras.
No
livro, percebe-se que a caatinga assume a posição de protagonista,
a despeito de ser o cenário onde os contos se desenrolam. Tanto é
que nas narrativas, poucos personagens foram nomeados, limitando o
autor a chamá-los de a mulher, o homem, o cunhado, o filho mais
velho, o menino... não desprezando a importância que esses seres
tomam na narrativa, mas sobrelevando as características do lugar e
suas influências sobre o homem ali habitante, emergindo aí a
identificação do autor sertanejo com o Determinismo de Hippolyte
Taine, próprio do estilo naturalista.
Identifiquei
Mata Branca também com o Vidas Secas, de Graciliano Ramos, nessa
mesma similitude ao deixar os filhos de Fabiano e Sinha Vitória como
meninos sem nome: o menino mais novo e o menino mais velho, como a
dizer que o destino dessas crianças não tivesse um marco, não
fosse singular mas plural e estivesse à sorte do meio e do tempo.
O
livro faz um apanhado de evolução da ocupação do sertão
cearense, desde quando habitado por índios nativos até a
modernidade, quando a luz da lua e do gerador foram substituídas
pela energia elétrica; quando a magia dos circos mambembes e a
rusticidade dos jumentos como animais de carga foram substituídos
pela TV em cores e pelas motocicletas, respectivamente.
Na
linguagem de Jards, chama-me à atenção sua invejável capacidade
descritiva, capaz de ilustrar como poucos os seus cenários e situar
o leitor em um cenário povoado de cuidadosos detalhes. Talvez essa
facilidade nasça de sua capacidade de observar o ambiente onde
acontecem suas histórias e guardar na memória vivências suas que o
ajudam a reconstruir os seus enredos com grande carga de
verossimilhança.
Penso,
também, que o autor tem cada vez mais se enveredado pela trama
psicológica de suas personagens, e aí reside o que mais gosto nele,
como em AMORES SUJOS DE BRANCO, ANJOS e CEDO DEMAIS, meus contos
preferidos, onde tragédia e paixão caminham de mãos dadas e o
conflito vivido pelos protagonistas ferve em uma limitada linguagem
íntima, mas que o autor amplia essa dimensão em sua gentil
onisciência, sem roubar deles, no entanto, sua originalidade.
Percebo
que algumas características são imanentes do autor e lhe conferem
um estilo próprio, uma identidade, demonstrando que Jards já
encontrou seu caminho; embora se permita algumas experimentações,
como em MARCADA, o único conto que guarda uma diferenciação de
linguagem e construção com os demais. Neste, Jards parece ter
incorporado construções literárias, como as de Edgar Allan Poe e,
cinematográficas, como de Alfred Hitchcock e Quentin Tarantino.
Por
vezes eu desejei ver menos dor nas páginas de Mata Branca; por vezes
eu quis ser o dono dos destinos de muitos dos personagens ali construídos. Maldisse o autor em algumas páginas como a não
perdoar o destino traçado para algumas histórias, todavia
contive-me e constatei que a vida nem sempre é aquilo que sonhamos e
temperamos com nossas utopias. Como no sertão, a bela e rara flor de
mandacaru também é cercada de espinhos.
O
livro, despretensiosamente, prova que o sertão é um lugar
interessante, belo; por vezes sádico; noutras, generosamente
poético. Nesse espaço, gravitam as mais variadas sensações do
homem, como a mostrar que o sertão é um arquétipo do mundo inteiro.
Hérlon
Fernandes Gomes