segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O FIO E A FACA (DIÁLOGO QUASE MONÓLOGO)

— Falar de dor nenhuma, rapah! A gente às vezes prefere não enxergar o óbvio, a gente prefere se cegar e criar o espetáculo com as coisas que a gente imagina existir. Eu quis te avisar, mas aí não tem graça, federal. O lance era você descobrir por si mesmo, assim tu fica macaco velho e não vai meter mão em cucuia cheia de abelha. Mas não foi bom? Não se banhe nessa dor que você não deve carregar sozinho nem atire pedra em quem não deve. Não tem culpado, porra! Nesse lance ninguém é culpado de nada, todo mundo é vítima. Nesse jogo, mano, ninguém conhece as cartas, a gente arrisca as jogadas. Muitas vezes o suposto adversário joga a carta amiga e pá: bateu!

— ...

— Espere o tempo e analise os fatos. Muito pequi tem dentro desse baião. Muitas surpresas estão por vir. Eu desconfio que você ainda está equivocado... Normal... Calor da confusão, essa raiva guardada... Cuidado pra não despejar num inocente. Humilhar os outros pra encher o ego da gente não é atitude de quem precisa ter fé, ainda mais no que é mais conveniente de você acreditar. Mais tarde você vai compreender melhor.

 

Hérlon Fernandes Gomes

P.S.: Observando um amigo consolando outro. (Divina comédia humana -  onde nada é eterno!)

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

OUTONO DA ALMA, PRIMAVERA DA CARNE

Dentro dela, eclodira um eu que a fazia se desconhecer de si no passado. Já não interessava saber como tudo ocorrera, pois era uma mutação íntima da alma. Foi permanecendo mais no silêncio, no campo das questões que dimensionava como grandiosas. As desilusões do amor foram tornando-a fria, ensimesmada, enrijecida por esse gelo.

                        Foi nesse campo selvagem que sua exuberância feminina mais se fez destacar: como uma planta no auge do viço. Tornou-se mais viva, mais crua; nisso seduzia-se por todos os prazeres proibidos – presenteada como por um feitiço que a fazia saber dosar o limite entre o antídoto e o veneno. Gostava-se no espelho: seu corpo era sua arma. Agraciada pela beleza sutil da latinidade brasileira, riso misterioso, sua presença a definia.  Todos os homens que queria, teria a seus pés – era tudo sempre tão simples... Aprendera a se divertir com o prazer dos rapazes: sabia confundi-los, rendê-los às próprias vontades. Exalava um perfume encantatório, do fundo desse âmago enegrecido pela desilusão. O capricho do tempo foi torná-la indiferente ao que despertava fortemente nos outros.

                        Enchera-se de atitudes secretas, vagando num mundo novo, aberto no seu íntimo; uma dimensão nascida imersa nas culpas que criara. Dentro dali, seu espírito foi ficando seco e sem brilho; por outro lado, a seiva da vida tomava conta de sua roupagem. (As rosas parecem buscar o melhor de sua plástica no frio da noite, na umidade do orvalho, no silêncio da madrugada...)

                        Para todos os homens que enfeitiçava, gostava de tentar ser a mulher perfeita, a ardente amante, a fiel confidente, a independente, a mãe... Aprendera a colecionar as armas mais certas e a conhecer melhor como eles pensam. Enchia-nos de promessas, sabia despertar o melhor calor da paixão, aguçar o mais vadio desejo só para depois voltar e massacrá-los com sua frieza gentil, já que sempre encontrava a maneira exata de torná-los culpados por não conseguirem fazê-la amar.

                        Não, ela não era feliz – nem se lembrava mais como era isso. Talvez, o pior de tudo fosse nem querer se lembrar dessa sensação. Nem isso causava sofrimento – estava imune a qualquer espécie. Foi ficando primitiva, perdendo as ambições de uma vida comum. Movia-se por essa vontade de se vingar do tempo.

                        Como se tornara assim? Um coração desiludido perde sua forma original, de maneira irreversível... Estivera se armando desde então, num processo involuntário que lhe rendia esse veneno negro. A natureza humana moldou-lhe de acordo com as necessidades da selva moderna. De que lhe importavam as mentiras, esperanças, amuos dos homens?... Agora, atacava com o que um dia fora destruída.

                        Tornou-se puramente nessa sedução visceral. Sua parte sagrada estava morta. Ela era uma noite sem sono.

                        No começo, sentiu medo de si mesma. Houve um tempo em que fora frágil, que o nome dele a atormentava de maneira compulsiva. Agora nem mais sabia o eco dessa palavra. Aprendeu a não mais precisar do outro, a não se entregar, a não se decepcionar.

                        Entrou no bar. Frio de madrugada. A música soava agradável, nem sentia os próprios passos, e não tinha medo dos presentes. Sua sensibilidade estava entregue a vícios que a transportavam a outras dimensões... O ambiente era de penumbra, pequenas mesas, quatro pessoas, duas; em cada canto mais escuro, vultos indefinidos... Os garçons equilibravam-se entre bandejas e pedidos.

                        Sentou-se em frente ao balcão e acendeu um cigarro. Naquela noite, queria roubar dos outros qualquer coisa que tornasse sua noite em algo interessante, mas nem sabia quais suas reais expectativas. Pediu um uísque duplo, com gelo, só. Ela era quem naquela noite, sem nenhum conhecido? Gostava do anonimato.

                        No canto, uma cena a fez descer, de um só gole, a bebida. Não estava tão anônima assim... Um casal de namorados divertia-se a quatro mãos postas sobre a mesa, como se um fosse a continuidade do outro. Na superfície da pele deles, fulgurava uma áurea que a incomodava. Dentro de cada um, podia sentir o pulsar de hecatombe a iluminar sua impenetrável clausura. Reencontrar aquele homem não era tão simples.

                        Aquilo a perturbava como a luz que afasta os vampiros. A dor de um nó na garganta esmagava-a de maneira alastrada – uma dor, que por ser costumeira, já nem incomodava. Os gestos dele eram os mesmos de tempos atrás: de delicadeza, os mimos dos primeiros tempos. Sabia os caminhos daquele mapa, desvendado por inteiro... Relembrava um começo feliz, desembocado na quase anulação do amor-próprio. Não, não se sentia derrotada. Não se sentia roubada de nada. Sentia-se frustrada pelo sentimento assassinado. Não queria mais tê-lo em seus braços, não idealizava mais dividir seus dias ao lado dele, não lhe feria a presença da estranha – um arquétipo do que ela própria fora; uma descoberta, quiçá, também se revelasse triste...

                        Ficou. Principalmente para testar o reflexo de si nos olhos dele; para, nesse duelo, medir forças de fracasso. Respirou fundo. Ele passou a notar sua presença, o que o fez perder o controle da direção do olhar e despertar a atenção da namorada para a incômoda presença no balcão. Em cinco minutos, levantaram-se e saíram. À porta, ele ainda arriscou um resto de olhar.

                        Um pouco entorpecida pelo álcool, voltou para casa. Um banho quente a lavaria desse ranço... Ligou o som. O piano de Sérgio Mendes inundava o apartamento, nos acordes de Tristeza de Nós Dois. Enxuta e limpa, saiu despida do banheiro. Foi até o guarda-roupa, perfumou-se e admirou a própria beleza nua. Para quem? Para muitos e para ninguém... Pegou o batom e, num gesto inédito, encheu o reflexo de inúmeros NADA. Talvez para transbordar aquilo que lhe sobrava... Ela era um monte desse nada que ele lhe abrira, um monte de nada que fechava sua alma a qualquer libertação, a qualquer consolo mais perene.

                        Até quando choraria esse pranto seco e sem fim, de lágrima alguma? Perdeu o direito de escolher o que se sente, já não interessava saber o reflexo de suas atitudes no coração do próximo.

Hérlon Fernandes Gomes

Brejo Santo - CE

sábado, 22 de novembro de 2008

DO DIÁRIO DE LAURA


Às vezes tenho medo de estar forçando os meus limites e, assim, adentrando demais na tua vida. Às vezes eu não sei como me portar diante de ti, não ensaiar nem escolher as palavras que cairiam como uma luva... Isso é ruim. É sinal que não nos conhecemos, é sinal que não me deixas à vontade diante ti, além de quando nos entregamos aos nossos desejos. Nem sei ao certo que sentimento é esse que me domina, nem sei se tudo tem valido a pena. Eu sei que poderia (deveria?) aceitar tudo o que temos vivido com o gosto de acaso, não teria sido necessário eu me prender nas esperanças que não me destes (as quais também não pedi...). É por isso que permaneço a maior parte do tempo calado, porque esse silêncio tem sido o meu melhor refúgio. Pensei que fosse mais simples ignorar tua existência, pensei que serias mais um capricho meu... Finjo que não te observo. Mas de tanto fingir, rezo para que meu fingimento se convença de ser uma verdade.


Hérlon Fernandes Gomes, 22 de novembro de 2008.

Para Eve.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

FIM DE VERÃO (INDIFERENÇA)

Ele sentia que o silêncio dela esgotara-o por completo. Já tinha dado o tempo necessário para que ela se manifestasse numa atitude mais engajada. Aguardou por uma surpresa que fosse, algo inusitado; mas ela parecia incapaz de algum movimento a esse respeito. E os ideais dele foram novamente de água a baixo...

Talvez a liberdade que se permitiram tenha contribuído para o fim do que não começou. Qual a base de um relacionamento entre dois amantes clandestinos? O que os movia era meramente a química do sexo, essa vontade maluca de um devorar o outro para se arrepiarem no final... Isso era tão explosivo, isso era tão... Mas não era o bastante. Também não havia o que lamentar – não existiam laços que os prendessem; nenhuma história mais consistente seguraria uma conversa mais profunda... A sinceridade com que se tratavam aniquilou qualquer possibilidade de fantasia. Mundos diferentes, gostos diferentes...

Era necessário colocar um ponto final em tudo aquilo porque ele tinha medo de como as coisas se enraizavam sorrateiramente no seu íntimo e não queria ir embora tendo a impressão de ter esquecido uma parte importante de si. A despeito da informalidade que revestia aquele acordo do instinto, escolheu a indiferença pura e simples como resposta a esse final de relacionamento incomum. Sentiu dentro de si todo o cinza que cobria o final da tarde. Precisaria de um guarda-chuva.

Passou a desejar ser o plano feliz de alguém.

Hérlon Fernandes Gomes

12 de Novembro de 2008.


terça-feira, 4 de novembro de 2008

VAMPIRO DE ALMAS (CORRESPONDÊNCIA)

Cara Mary Shelley.

 

Ele já não assusta mais. Hoje, parece um conto macabro de Edgar Allan Poe – é mais poético do que assustador. Mas em algum momento existiu. Lembro-me dele para me certificar que me exorcizei de seus feitiços, que meu sangue está limpo daquele veneno que se disfarçava de mágica. Olhando a cronologia das fotografias consigo perceber sua erosão em mim, a ruína que se operava de maneira quase imperceptível. E o segredo estava nesse “quase”.

Eu estive definhando, não fisicamente... As fotografias são capazes de registrar além do superficial e é sobre esse segundo plano ao qual me refiro. Não é tão simples de compreender, mas tenho certeza de que outras pessoas são vítimas dessas criaturas atemporais, porque atacam de dia e de noite, sobre todas as maneiras... Vão apagando nossa chama mais importante, vão nos colocando na berlinda, porque o centro do palco deve pertencê-las. 

Ele me esvaziava a alma, eu me tornava pequena e resignada. O sol me arrepiava porque a luz me era escassa e isso era um prazer engraçado - como um gozo que, de tão bom, às vezes dói... Eu era a cada dia mais sombra... As fotografias denotam isso: um vulto cada vez mais imperceptível. Eu era a vergonha do medo dele,  sua mentira mesquinha camuflada de verdade.

Curei-me na primavera, em dias quando Deus nos presenteia com um dos seus milagres... Minha tristeza me levou até o jardim. Diante de um espelho d'água eu não pude enxergar o meu reflexo. A brisa, que de tão sublime me doeu na face, atentou-me desse infortúnio. Revigorei-me no orvalho das flores, numa esperança que me pousou no ombro, no suspiro profundo que me fez notar as batidas do meu coração.

Insisto em dizer-lhe que as fotografias são as provas incontestes dessa presença e elas me mostram as falsas tintas dessa criatura do medo: tons de uma felicidade postiça de eternidade.

Com votos de que estas linhas encoragem-na, amiga.

 

Cathy.

Morro dos Ventos Uivantes. Sem tempo.

 

P.S.: Seguem as fotografias como atestado do que conto. Peço que observe as suas e compare-as também.

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Hérlon Fernandes Gomes

04 de Novembro de 2008 (Madrugada quente)

Para meu amigo Ivan, um caça vampiros digno de um Van Helsing!

sábado, 1 de novembro de 2008

DE VOLTA PARA CASA

Eu sou apenas isto que quero ser neste retorno. Nada me força, nada me compele a nada – é um retorno voluntário, de uma natureza que me faz conhecer qualquer caminho. As ruas estão desertas, apenas um gato preto com uma corrente gravada no pescoço me denota que existem outros humanos além de mim. Além do barulho das scanias na BR que me faz comparar minha solidão a desses caminhoneiros nessas boleias solitárias... Não, não é uma solidão mórbida, nada me causa pena – é apenas contemplativo.

Em casa, um banho finge me revigorar de todo o cigarro, de todo o álcool, de todo este momento que me pertence. As ruas estão desertas – nenhum vivente, apenas eu e essa escuridão surda; apenas eu e Deus... E tudo me preenche, e nada me põe insatisfeito... Já não escolho olhares, já não me construo em desejos que me bastariam, porque todos eles são mesquinhos. Estou me bastando, estou aprendendo a ser mais paciente, a permanecer mais no silêncio, a ouvir o que minha alma me diz sem me prometer uma receita de felicidade.Não há nenhuma emoção ruim que me contamine – eu vou dormir antes disso, eu vou fugir de qualquer feitiço, eu vou sumir de qualquer maldição...

Hérlon Fernandes Gomes

P.S: Para quem mesmo? Queria dedicar a alguém.. Dedico a você que se identifique.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Sr. Enigma


Ela olha para os olhos dele, mas só consegue fita-los bem quando não a encara profundamente, de um jeito que a desconcerta. E são dois portais impenetráveis, escuros, donos de um brilho encantador mas superficial.

Ele é um enigma. Ela tem medo de decifrá-lo, porque teme se descobrir novamente frágil, porque não sabe se juntou forças suficientes para travar batalhas já conhecidas... Ele é quente até nas palavras, e não deixa escapar uma réstia de luz do seu coração. Mulher sente quando homem está em outra. Embora se sinta desejada, embora se sinta uma companhia agradável, sabe que o coração dele está com o anzol em outros mares tão frios quanto os segredos dessa alma masculina inacessível.

Ela sabe que essa vontade de reconstruir a paixão desacreditada tem prazo de validade. Vai comer chocolates até quando seu cérebro puder ser enganado, porque sua alma em breve se cansará de entender o que parece querer ficar escondido, do que a parece reservar para um segundo plano... Porque ela agora só quer ser plena, porque ela agora só poderá ser o plano perfeito, porque ela agora não se contenta com as migalhas do banquete.


Hérlon Fernandes Gomes

27 de Outubro de 2008.

Para Dr. Jekyll e Mr. Hyde...

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

COMO UM SAMBA FELIZ DIANTE DO MAR

Dia de luz, festa do sol, o barquinho a deslizar no macio azul do mar...

Os dias agora se apresentam tomados dessa luz calma, que doura minha pele e aquece minha alma. O mar me balança com o sabor de um som agradável e eu consigo enxergar melhor as cores. Vou me abandonar das coisas capitais, da violência do jornal, pois também tenho direito de não me assassinar diante dessas coisas que, apesar de humanas, não me precisam pertencer nem servir de melodia para a trilha-sonora da minha vida.

A paixão que eu quero e preciso conhecer, apesar de ser paixão, não me tombará morto na praia nem precisará destruir ninguém. A paixão que desejo ensejará o caminho para o amor verdadeiro e somente me prometerá alívios constantes. Não, eu fugirei das coisas inexatas, das coisas incompletas, porque me saberei inteiro – ainda que só. Minha solidão não necessariamente me encarcerará, mas será uma terapia necessária, um encontro feliz de mim e as questões que serão logo preenchidas com as respostas que Deus me inspirar.

... Céu tão azul, Ilhas do sul e o barquinho é um coração deslizando na canção...

Gozarei agora as flores da primavera e minha nudez de corpo e espírito constará a verdadeira riqueza. Não, isso não é uma utopia; nem me furto da crueldade que parece imperar nos nossos dias. Há espaço para o sonho-real, é justo que o tempo nos permita ser além de um eufemismo.

Vou me permitir construir meu conceito de liberdade e isso traduzirá melhor as melhores sensações do corpo, a contemplação que minha alma fará diante da brisa, da noite enluarada, da felicidade que só me brotará lágrimas felizes diante de todos que enxergarei como irmãos verdadeiros. Não, isso não é tão difícil – apenas parece ser, porque não acreditamos o bastante, porque estamos trancafiados no nosso egoísmo, no fracasso que é esse falso-impossível.

A fé fosforesce como áurea sobre mim, porque Deus é o universo que me inspira e me faz crer e tocar nestes dias que se anunciam agora e contaminam-me com a melhor das energias e te contaminam através dessa vontade que se transforma em oração.

...Tudo isso é paz, tudo isso traz uma calma de verão e então o barquinho vai, a tardinha cai...

A dor só existirá para se transformar num aprendizado engrandecedor; a fome despertará para lembrar que pode ser saciada num gesto simples de doação; o medo somente habitará para que procuremos o alívio dentro de nós mesmos, na crença de que podemos ser o que quisermos ser. Como um samba feliz diante do mar.

 

Hérlon Fernandes Gomes

P.S.: Para minhas irmãs, Heloísa e Helaine, que só me inspiram coisas de luz.

(ORIGINALMENTE PARA A COLUNA DO www.caririfest.com)

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

BOA NOITE, ANONIMATO ANTIGO

Hoje, não há espaço para indiferenças que penso que outros alimentem sobre mim, nem ódio ou coisa parecida. Se existem, há coisas melhores para me concentrar... Como o nosso olhar, que revelou a surpresa desta noite. É mesmo coincidência dois desconhecidos se encontrarem tantas vezes, em tantas inusitadas ocasiões que nos façam concentrar os olhares? Eu percebi a maneira como me olhavas nesta noite e sei do teu desconcerto diante da minha presença... Eu também quis saber a essência do teu perfume, por isso insisti na minha investida diante do teu vexame. E eu te livrei de tudo aquilo, eu consegui fazer com que o garçom te entregasse o número do meu telefone. Aguardei ansioso que não rasgasses o papel e vibrei ao ver que o guardaste no bolso. Até aí, as cervejas da noite já tinham me encantado e eu nem sei mais o tamanho e sabor da ânsia que me consumia... Passei a construir como seria a nossa proximidade. Tremi quando o telefone tocou.
Nós já éramos íntimos e não sabíamos. Tuas palavras tinham o timbre que eu imaginava e eu já sabia certo o nosso encontro, não me senti como a lua cheia em pleno meio dia.
Cheguei perto de ti e já te adivinhava as vontades. Não titubeei diante dos teus lábios que se mediram e se tocaram com os meus sem necessitar de nenhum gesto ensaiado. Arrepiei-me, arrepiamo-nos... E foi um beijo tranqüilo, apesar de clandestino, numa rua de nenhum vivente além de nós, nesta noite quente de outubro... Eu te quis roubar para dentro de casa, tu querias me consumir ali, arrancando-me os botões, transformando-nos em vultos desta madrugada enfeitiçada...
Não dormirei facilmente... Acreditarei nas coisas que me disseste sobre meu sorriso, nas coisas boas que me fizeram sentir inteiro, nas coisas plenas que me fizeram desejar mais de ti.
Não mais olharei tanto para dentro de mim. És um mundo que eu não esperava encontrar, és a mentira que eu nunca quis acreditar. Meus sonhos certamente serão os melhores. Desejo o mesmo para ti. Boa noite.
Hérlon Fernandes Gomes
Crato - CE, 18 de outubro de 2008. (Madrugada)

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

DEPOIS DA FESTA (SALVEM AMY WINEHOUSE)

E a festa tem a quentura dos holofotes, o contato físico com a multidão que se aglomera misturando perfumes, dividindo vontades. Os olhares se pescam no tempo... Eu já perdi a conta de quantos uísques me rendem a vontade de te possuir, apesar das bocas desconhecidas que beijei nesta noite agitada. O cigarro me ajuda a adormecer as carnes, a sentir melhor esta madrugada nascente.
Volto só para casa. Amy Winehouse acompanha-me no som do carro. O vento frio é luxo no Cariri... Por isso me demoro mais pelas ruas, intercalando soluços de bebida, pensando no que sou nesta noite, nas coisas que eu gostaria que não fossem tão fugazes... Em casa, espalho as roupas pelo chão. Minha nudez me acompanha até o bar: dois dedos de uísque e muito gelo, mais um cigarro. Salvem Amy Winehouse... Preciso de um banho, talvez para me lavar do desejo do teu batom, da tua quentura que agora me incendeia, dos nossos olhares que navalhavam entre as mil cabeças que nos separavam.
Não é o cigarro quem vai me acabar; nem o álcool, que me acalma do desmantelo da tua presença... Isso não é um melodrama – eu odeio ser um melodrama. Quero que minha alma fique sóbria; mas hoje eu precisaria me embriagar de ti para fugir de vícios acessórios... Salvem Amy Winehouse... Nenhum café me livraria desse feitiço; nenhuma cama me aliviaria, pois nenhum sono me convida. Ninguém comanda o que se sente. A gente mente. A gente finge o desconcerto num trago de cigarro; desvia o olhar, enquanto afoga a verdade no uísque... I told you I was trouble...
Salvem Amy Winehouse... Porque eu finjo que não me consumo, porque ainda provarei outros sabores que, embora não me saciem, ajudam a me esquecer dessa sede imorredoura. Back to black... Meu luto me pertence... Mas meu riso é o que aparece, essa felicidade que me visto, essa tranqüilidade que me faz parecer inteiro – menos diante dos teus olhos.


P.S.: Crônica especialmente escrita para minha coluna do site Caririfest. (www.caririfest.com.br)

terça-feira, 2 de setembro de 2008

PREFÁCIO DE GEMINIANOS - POEMAS DE DESCOBERTA

Geminianos é o meu trabalho mais sentido. Admito sua linha egocêntrica; na verdade não sei realizar uma poesia sem assim sê-la. Ao escrever sobre mim, escrevo sobre minha maneira de enxergar as coisas do mundo e esse caminho é o que mais conheço, apesar de perder-me nas veredas de mim mesmo.
Os poemas não seguem uma linha homogênea, já que todos provêm do meu estado de humor, de espírito.
Engana-se quem pensa que o título do livro detém um mero significado esotérico. Sou um admirador da mitologia grega; coincidência por ser geminiano ou não, o mito dos irmãos Castor e Pólux emociona-me de maneira especial.
Zeus, Deus dos deuses, apaixona-se pela bela Leda, sendo esta recém-casada com Tíndaro, o herdeiro do Reino de Esparta. Sabendo das virtudes e lealdade da jovem ao seu esposo, Zeus via-se inerte diante daquele amor platônico. Para aproximar-se de Leda sem ser notado, transforma-se num belo cisne e encontra-a enquanto se banhava nua nas águas de um rio. Encantada com a singeleza do animal, toma-o no colo e acaricia-o.
Nove meses depois, Leda dá à luz dois ovos: um abrigando Castor e Helena e o outro, Pólux e Clitemnestra. Em cada ovo um filho imortal de Zeus, Helena e Pólux; enquanto os outros dois, por serem filhos de mortais, teriam apenas uma existência.
A Mortalidade resolve aproximar-se da Imortalidade. Os dois meninos, Castor e Pólux vão crescer juntos, cultivando uma vivência de amizade, respeito e extrema cumplicidade, tornando-se fortes e corajosos.
Após inúmeros intentos heróicos, os gêmeos apaixonam-se pelas irmãs Febe e Helaíra, mas as mesmas já se deixavam cortejar por Idas e Linceu, outros irmãos gêmeos. Ambiciosos pelo encantamento do amor, os filhos de Leda raptam as nubentes, instituindo a guerra de dois reinos pela posse das beldades.
No combate, Pólux mata Linceu, mas Castor é morto por Idas com um golpe de lança.
A Imortalidade não aceita viver longe da Mortalidade. Pólux inconforma-se com a perda de Castor, recorre ao pai e pede que lhe tire a imortalidade ou devolva a companhia do irmão.
Zeus, comovido com o sentimento fraterno do filho, pactua com Hades, deus do mundo inferior, Soberano dos Mortos: Pólux teria de dividir a imortalidade com Castor, alternando com este um dia de vida (no Olimpo) e um dia de morte (no submundo de Hades). Os irmãos se encontrariam uma única vez, no momento da troca de mundos.
Para jamais ser esquecida tamanha prova de fraternidade, Zeus coloca os irmãos na Constelação Gêmeos, onde nem mesmo a morte os separará.
O mito de Castor e Pólux ilustra o aspecto dualista da personalidade geminiana, vivenciando o paradoxo de ter de conviver entre a intuição (Céu) e lógica (Terra).
Pólux é no grego “muito doce”, envolve o aspecto ardiloso, mas atento e cuidadoso da face geminiana; enquanto Castor traz em si a esperteza sutil do animal que lhe dá o nome, age na espreita, na calada da noite, cultivando um lado travesso e irrequieto.
Os poemas do livro equilibram-se paradoxalmente entre os emblemas da “Face de Hades” e “Face do Olimpo”. São percepções que qualquer ser humano tem acerca da vida e da morte, a razão e o sonho, a frustração e a felicidade, o possível e o impossível, santidade e pecado, revelação e inexatidão, o óbvio e o secreto...
O Mito, aqui, é apenas uma metáfora, uma alegoria que tenta explicar esse equilíbrio entre os opostos da condição humana.

Hérlon Fernandes Gomes

COMO UM PARTO



Empresto-me de uma máxima de Jorge Luís Borges para explicar porque publicamos um livro: "Publicamos para não passar a vida a corrigir rascunhos. Quer dizer, a gente publica um livro para livrar-se dele." E é verdade! Estive a corrigir GEMINIANOS - POEMAS DE DESCOBERTA até o prazo final dado pela gráfica, ou seja, antes que as placas off-set fossem confeccionadas.
É uma emoção ímpar a publicação de um livro; para mim, algo inédito. Meu primeiro livro data de 1997, quando minha poesia se ensaiava pelo mundo. Publicar, neste país, não é uma tarefa fácil, porque o brasileiro lê muito pouco e está bem interessado em outras atividades não tão intelectualizadas. Por isso o desafio de uma publicação se torna maior. No meu caso, venho oferecendo uma publicação particular desse meu livro. Não tive tempo nem paciência de buscar outros métodos editoriais enquanto a gestação do livro se operava em mim. No caso de GEMINIANOS, a necessidade de sua publicação veio como um parto, exigindo-me uma vontade visceral e incontrolável.
O livro aborda uma fase muito introspectiva, existencialista; coisas que vou buscar no mais profundo do meu íntimo e que batizo e reconheço como sentimentos comuns do ser humano. Entendo que precisamos nos educar diante das emoções do mundo, dos sentimentos que nos são oferecidos como guias e que, nem sempre, conduzimos bem esses barcos.
Convido toda a comunidade cultural a honrar-me com sua presença na noite de lançamento deste meu livro, no dia 26 de setembro, a partir das 20h, no Flor D'Liz Buffet, na cidade de Brejo Santo.

Hérlon Fernandes Gomes

sábado, 16 de agosto de 2008

A RESPEITO DO AMOR...


Ultimamente tenho tido bastante insônia; acho que tenho bebido muito café... As noites insones são bem mais solitárias... Ao revirar-me na cama, começo a pensar sobre inúmeros assuntos, além de fazer uma análise sobre minha vida e a dos outros. Dentre tantas coisas que poderia escrever, além de corrupção, violência, fome...
Tenho uma dívida de gratidão para com meus leitores; já estamos tão cansados em ser bombardeados pela metralhadora insana que vêm sendo as imprensas televisiva e escrita; falta poesia no mundo, falta esperança para nós humanos. Comemos o pão de hoje suando o de amanhã. O tempo não pára e a gente permanece despido de qualquer coisa que não seja absurdo.

Pois bem, falemos do amor! Será que é preciso estar enamorado para falar sobre o amor? Penso que não; mas o amor é sem dúvida o sentimento-objetivo, é nossa missão-mor. Aqui não há espaço para paixão, essa coisa doentia, que pela própria etimologia nos remete à tradução de sofrimento. Paixão vem do latim passio, que significa literalmente sofrimento. A paixão de Cristo remete à sua consternação no calvário. O amor é o estado evoluído da paixão, é firme, é incondicional, é generoso.

Sinceramente, acho que se todos vivessem um grande amor, o mundo estaria tão diferente. Por que banalizaram tanto esse sentimento? Tacharam-no de brega; atribuem-lhe outros sinônimos: dinheiro, conforto, sexo. Convenhamos que cada um dos itens anteriores é perfeitamente desejável e nos possibilita uma felicidade considerável. Mas um relacionamento sustentado apenas em valores supérfluos, certamente incorrerá no insucesso, na infelicidade certa, como uma casa de gelo que não contava com a chegada do verão.
O amor é riso, é espírito, é arrepio na pele e a gente sente realmente que é útil diante da vida; cada um sente a missão reservada, um motivo justo para labutar nesta existência, tão passageira, mas que nem por isso deixa de ser menos bela.
Conto as horas que me separam do meu amor... Sinto uma profunda necessidade de estar ao seu lado, comungando o mesmo ar, rindo das mesmas bobagens, sem fazer absolutamente nada; mas, pelo trivial motivo de estar ao seu lado, adquiro grandeza e penso em Deus. Amar é um estado superior, um transe, um momento cheio de vertigem – como a agradável sensação do lança-perfume no domingo de Carnaval... Ridículo isso, não? Ridiculíssimo! Que o diga Fernando Pessoa com todas as suas cartas de amor ridículas! E mesmo assim, quem nunca o foi, quem não é, quem não quer ser?
Minha cama parece ser mais macia quando amo; meu sono é sem dúvida sem sonhos, já que meu maior sonho respira ao meu lado... Quão bestiais somos! E quantas bobagens também realizamos...
O ser humano que não ama é amargo e tem maiores probabilidades de morrer de câncer, de encruar como uma fruta deficiente que perde o viço por conta do travo, do amargor, do azedo. Esqueçamos um pouco que somos políticos, somos burocratas, capitalistas, entes globalizados. Lembremos que podemos sorrir, que o beijo faz bem e que o amor gera a vida. Ai, ai... Coisa boa é sentir saudade; é ter alguém para silenciar o nome baixinho em nossos pensamentos, alguém para quem ligar ao acordar de um pesadelo, alguém com que sonhar e fazer inúmeros planos. E eu aqui, completamente ridículo, como todas as cartas de amor... também ridículas; mas estupidamente, satisfatoriamente FELIZ!

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE.
P.S.: Publicado originalmente em 2005, na minha coluna do extinto AGENDA CARIRI.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O GOSTO AZEDO DA TRAIÇÃO


A palavra traição soa em meus ouvidos como navalha cortante, cilício arquejante na pele do Salvador. Falo especificamente da traição amorosa, da incapacidade humana de satisfazer seus instintos com uma única pessoa. “Quem ama, não trai”. Até que ponto esta premissa é verdadeira? “O que os olhos não vêem, o coração não sente”.
Quando a gente ama verdadeiramente, existe uma porção de sentimento intocável, inabalável, protegida de toda e qualquer corrupção. Essa parte não se modifica, não se diminui na eventualidade de uma traição. Quando se ama de verdade, o objetivo da traição é meramente instintivo.
Mas, vale a pena trair? Isso é tão relativo...
A traição é fugaz e, para quem sofre de crise de consciência, certamente carregará consigo o peso de um crime. Não vou bancar o puritano e incluir-me no rol dos santos. Já traí, sim, e nas vezes que isso me aconteceu, senti-me o próprio Judas, ainda que tenha presenteado meus instintos com todos os prazeres carnais.

A traição tem o gosto azedo e parece feder quando retornamos aos braços de quem amamos. Tem o sabor de uma bela roupa alugada, um doce pequeno que logo se acaba, uma falsa jóia. O beijo traído é insípido; o sexo, animal – sem sublimidade, sem entrega de espírito, mecânico...
Beijo bom é aquele dado em quem se ama: morno, molhado, arrepiante. Sexo bom é aquele realizado com quem se ama: quando somos cúmplices e desejaríamos todo o tempo do mundo para permanecermos abraçados, como se o mundo nos pertencesse.
Quando se ama de verdade, a traição é um erro; às vezes passível de perdão. Por que arriscar o estável, o certo? Por que se contentar com um petisco, se você tem um banquete em casa?
A fidelidade é, sim, a maior prova de amor; pois mostra que o casal se basta, está completo. Quem é fiel, compreende, é amigo, companhia agradável sempre.

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE.
P.S.: Publicado originalmente em 2005, na minha coluna no extinto AGENDA CARIRI.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

ENSAIO SOBRE A LOUCURA

Penso que todos nós em algum momento duvidamos da própria lucidez. Estamos constantemente sendo provados, assolados por dúvidas acerca da veracidade das coisas, de fatos. Por que será que existo? Por que preciso viver esse momento? E, a questão das questões, aquela que divide toda a humanidade: Quem é Deus?
A humanidade está dividida entre os que acreditam nesse Ser e nos que ignoram totalmente a existência dessa força que tudo comanda. Os que crêem, o fazem e pronto; levam uma vida tranqüila, resignada — arriscaria dizer que até mesmo mais feliz. Os que não acreditam, pensam que esta vida é curta e, por isso, passageira — vivem impetuosamente. Mas ainda há aquele rol dos que simplesmente duvidam e tentam buscar uma resposta exata para uma pergunta que ninguém respondeu — esses geralmente acabam frustrados, são chamados de loucos e poucos dão crédito a seus comentários.
Hoje, pela manhã, assisti a um depoimento de uma astronauta sobre a emoção de ver a Terra lá de cima. Ela disse que quando estamos embaixo, temos a sensação de que nós somos o mundo, de que o que realmente importa são as nossas questões, os nossos sofrimentos e o enfrentamento diário que envolve os homens. Vendo a Terra de cima, à cerca de quatrocentos quilômetros da atmosfera, contemplando o silêncio absoluto, temos a nítida certeza de que este planeta é a única coisa que nos resta.
Abaixo desta fina camada, que se chama atmosfera, temos a vida se espalhando entre oceanos, florestas, grandes metrópoles; acima dela, apenas o vácuo! E de lá de cima é possível ver o sol se pôr e nascer dezesseis vezes, a cada uma hora e meia. Parece, pois, que alguma força incógnita, invisível, tudo comanda, misteriosamente, secretamente, constantemente... E nós, meros mortais, estamos ocupados demais em novas tecnologias, em retardar a velhice, vencer a morte.
Lá de cima, a Nave-mãe é quem assume o posto de pequenez e a paixão não correspondida de inúmeros humanos, a corrupção, a violência, a criança que acaba de nascer, uma nova espécie de flor a ser descoberta... tudo isso está alheio; pois a Terra, vista lá de cima, é única e pequena, assim como somos para tentar compreender a identidade de Deus.
O mistério da vida é o que mais me intriga. Penso que, para viver princípios harmoniosos, precisamos admitir o nosso status de pequenez e buscar aproveitar a felicidade que essa existência nos proporciona. Diante da perfeição que é o universo, nada mais nos surpreenderia e eu tenho no mistério a resposta para as questões jamais respondidas.

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE.
P.S.: Publicado originalmente em 2005, na coluna que me pertencia no extinto AGENDA CARIRI.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

A FILHA DE JESUS


Nome: Sara Saint-Clair
Pai: Jesus Cristo de Nazaré
Mãe: Maria Madalena
Naturalidade: França (antiga Gália)

Dan Brown, autor de “O Código Da Vinci”, está causando alarde com seu best-seller. O livro é um sucesso de vendas, cerca de 25 milhões de exemplares em todo o mundo! No Brasil, o livro está na lista dos 10 mais vendidos há cerca de 40 semanas. Qual a receita do sucesso? Os supostos segredos escondidos pelo Vaticano.
O Priorado de Sião era uma sociedade secreta, que teve como grãos-mestres os gênios Leonardo Da Vinci, Sir. Isaac Newton, Boticelli, Victor Hugo, entre outros. O objetivo dessa sociedade seria guardar uma relíqua, que mudaria todos os rumos da humanidade. O tesouro: o Santo Gral.
Conforme dados históricos colhidos pelo autor, como por exemplo alguns trechos dos controvertidos Manuscritos do Mar Morto e evangelhos que não figuraram no compêndio, que hoje é a Bíblia Sagrada cristã, o autor faz uma reviravolta sobre a vida de Cristo.
Segundo a narrativa, por Cristo ser judeu, necessariamente precisaria casar, ter uma prole, já que os preceitos judaicos assim delimitam. 
Jesus Cristo, descendente direto do Rei Davi, teria desposado Maria Madalena, descendente direta do Rei Salomão. 
Mas Maria Madalena não foi a prostituta a quem Cristo nos ensinou a lição do “atire a primeira pedra aquele que não tiver pecados!”? Tese polemicamente desmistificada  pelo Código Da Vinci...
Ao fundar o Cristianismo, em 423 d.c., um dos objetivos de Constantino foi eliminar o Sagrado Feminino da história da religião. O próprio Cristo teria deixado instruções expressas para que Maria Madalena fundasse sua Igreja; mas por machismo, intolerância ao feminino, o masculino vai eliminar e banalizar a figura de destaque da mulher na sagrada escritura.
O Santo Gral não seria o cálice sagrado em que Cristo serviu vinho aos apóstolos na última ceia. O Santo Gral, na verdade, seria uma transformação de Sangue Real, equivalente ao mausoléu de Maria Madalena, contendo ainda um diário pessoal escrito por Cristo e outro por Maria Madalena. 
Todo esse tesouro vem sendo guardado por tempos longevos pela Ordem dos Templários e escondido inúmeras vezes pelo Priorado de Sião, que teria ordens expressas para revelar o segredo na virada do segundo milênio para o terceiro.
O livro não deixa de ser convincente, ainda mais por não pôr em xeque a santidade de Cristo. Cristo é santo, isso é o mais importante; e para ter sido santo ele não precisou renunciar sua vida de humano; aliás, desde quando amar é pecado? 
Da Vinci, o maior gênio da história da arte, antipatizava a Igreja Católica, mas mesmo assim recebia encomendas para pintar motivos sacros; em todos eles teria deixado códigos que nos remetem a esse segredo: a verdadeira identidade de Cristo. À direita de Cristo, na Última Ceia de Da Vinci, está sentada Maria Madalena e uma pseudo-mão, aparentemente de São Pedro, ceifa o pescoço da esposa de Cristo - dando mostras da eliminação da importância da figura feminina na história sagrada; sobre a mesa, não há o Santo Gral, mas treze taças...


Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE.
P.S.: Publicado originalmente em 2005, na coluna que me pertencia no extinto AGENDA CARIRI.

sábado, 9 de agosto de 2008

NIETZSCHE E CLARICE LISPECTOR DIVIDEM UM CIGARRO


“Faço votos que os intelectuais não entendam”.
Você já duvidou de sua lucidez? Você já se perguntou se realmente está com a razão, quando pensava realmente tê-la? O que é a verdade para você? O que é o amor? Como é ser amado? Qual a sensação da felicidade na pele, no pensamento? Até que ponto seu ciúme deixou de ser saudável e passou a ser loucura? Até que ponto todo o intelecto que você adquiriu durante seus vinte anos de estudo pode ser considerado irrelevante em uma mesa onde se discutem assuntos triviais?
Nietzsche me diz: “E assim fazem todos os fracos: perdem-se no caminho. E seu cansaço acaba por perguntar a si mesmo: ‘Por que seguimos este caminho? Tudo é tão igual!’”
Hoje estou muito reticente... Disseram-me que estou me perdendo num caminho sem volta... Mas que bobagem! Apenas busco um norte, por mais que não saiba por onde esteja andando, todavia não me sinto perdido. Por essas veredas pretendo encontrar algo, ainda não exato, mas que me devolverá o sentido que perdi, não sei onde; talvez entre a infância e adolescência, quando me apercebi da existência da morte, quando descobri o amor e os prazeres da carne.
Tudo é tão igual... Tudo é tão igual... Definitivamente não quero ver a vida passar e apenas bocejar de preguiça, de cansaço, enquanto esse espetáculo misterioso desfila diante dos meus olhos. Louco? Irresponsável? “Você precisa ter cautela, esses caminhos podem ser perigosos!”, “Mas, se conselho fosse bom, ninguém dava: vendia!”. Por que todo esse medo? Ando no lombo da vida, ela é minha cria, sou seu veículo apenas.
Tristes daqueles que não ousam, que não se arriscam em tentar ser felizes mesmo onde só enxergam imperfeição. O sabor da vida é descobrir o doce da fruta debaixo da casca áspera, feia, enegrecida. O mel da vida pode estar muitas vezes no beijo carinhoso, no meio da noite, embaixo das cobertas, no silêncio, sem nada de público, nada de político, nada de dialético... Essas bobagens foram inventadas pelos mal-amados. O amor e a felicidade não se expressam através de nenhuma língua específica, não possuem um idioma, um código numérico; essas coisas brotam da alma.
A noite está solitária. Queria não desperdiçar meu tempo com grandes questões. Quisera eu permanecer isolado... Isolado de quê mesmo? Isolado da hipocrisia humana, do medo mesquinho, da infelicidade gratuita dos homens sem alma; mas eu não consigo. Resta-me ser profano (?) e gargalhar descaradamente, como se risse da própria morte. Aliás, não me imagino morto, a idéia de eternidade sempre me acompanhou como uma certeza, algo concreto que se come, sente-se o gosto.
Hmm... Sono? Dor de cabeça? Quem está com a razão? O que é a razão? Os ignorantes são mais felizes.
Hoje em dia, prefiro não ouvir conselhos, por mais que os mesmos me tentem, por mais que eu possa imaginar que um outro alguém possa estar com a razão e me mostre um atalho para o sonho. Prefiro acertar ou errar por mim mesmo, prefiro juntar minhas próprias cicatrizes e exibi-las como troféu do meu aprendizado, diante da vida. Sim, a vida, esse sopro de Deus, essa coisa que os homens levarão uma eternidade buscando a fórmula até serem vítimas da própria curiosidade, assistindo, como zumbis, à própria destruição.
Porque, meus amigos, tudo passa tão rápido que, se procuramos traçar um perfil metódico para toda a nossa existência, num lampejo veremos que de nada adiantou tanta cautela, tanto medo, tanto senso em se guardar quando, na verdade, tudo o que provamos foi um prato insosso, doente... E aí já não há mais tempo, tempo pra nada; nem mesmo pra curtir sua eternidade, já que você não acredita nela.
***
Para finalizar, Clarice recita Nietzsche: “‘Para os puros tudo é puro.’ Assim falava o povo. Mas eu vos digo: Para os porcos tudo é porco!”

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE.
P.S.: Publicado em 2005, na coluna que me pertencia no antigo AGENDA CARIRI.

Auto-retrato (Agosto 2008)

Um cigarro, uma dose de rum, a madrugada...
Três companhias íntimas,
Três presenças que me suportam.
Crio meu próprio ambiente,
Torno você mais íntimo de mim
E procuro refúgios encantados.
Eu nunca me direi totalmente,
Terei sempre a minha fuga,
Terei a verdade que escolher.
Esqueci do sono esta noite,
Para ficar mais junto de mim,
Para me perder em minhas questões.
Não há mais ninguém que me domine as horas
- E isso é tão livre, e isso é tão leve...
Sinto minha quentura, sinto minha vida...
As coisas estão deixando de ser vazias,
Tenho me alimentado mais de fé.
***
Alguém me disse, na mesa de bar, que me entende...
As luzes estão ficando mais agradáveis em meus olhos,
Estou com vontade de sorrir freqüentemente.

09de agosto de 2008

Hérlon Fernandes Gomes
P.S.: Em homenagem às coisas boas que acontecem em minha vida.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

DEVANEIOS COM CLARICE LISPECTOR

É quase meia-noite. Sinto o sono aproximar-se de mim, vindo sorrateiro, hipnotizante, comprimindo minha alma, confundindo minha mente, desenterrando sensações e medos que não quero mais possuir.
Tudo é déjà vu, sinto vertigem. O ciúme corrói o amor-próprio e já me vejo insano, procurando definir a minha verdade, estabelecer uma medida exata até onde era lucidez e passou a ser loucura.
Fito-me no espelho. Vejo-me belo, atraente; imagino-me sendo desejado por quem não conheço, imagino-me íntimo de vultos que apenas tive contato através de fotografias e que procuro descobrir coisas absurdas a respeito dos mesmos: a comida preferida, o perfume natural, a intimidade, o banho, o sabor do beijo... Imagino-me amado como nunca fui, sendo desejado ardentemente por alguém que até mesmo seria capaz de matar ou morrer por mim... Sim, é quase um melodrama. Estou triste.
Começo a chorar copiosamente, débil, vendo-me como a mais triste das criaturas por ter perdido o ser amado. O travesseiro encharca-se do meu pranto e eu desejo ardentemente que tenham piedade de mim, que me notem, que corram em meu auxílio.
Novamente quero ser desejado por alguém que me idolatre, que me diga o quanto sou importante. Atinjo o limite do que chamo sobriedade. Agora pareço ridículo. Espanco meu próprio rosto, insulto-me, acho-me feio, começo a ter vergonha de mim mesmo.
Imagino-me tendo dons! Se eu fosse um ótimo cantor! Se fosse um belo dançarino, um pianista, um escritor famoso! De repente a fama me atrai! As badalações proporcionar-me-iam um bem tamanho! Eu teria a felicidade?
Ah, a felicidade... Essa poção mágica feita de não sei o quê, que se encontra em não sei onde... O sono pega-me. Estou dominado por uma força superior que me carrega vagarosamente, pesadamente num azul frio que vai escurecendo pouco a pouco. O silêncio toma-me de maneira progressiva. Estou no poço dos sonhos.
Sei que não sinto dor. Consigo perceber o cheiro de um perfume preferido que usei no passado. Vejo perfeitamente as cores e concluo a grande mentira: os sonhos são em cores, não há nada de preto e branco. Acho que só os infelizes possuem sonhos apagados...
Sou medroso até mesmo sonhando; não consigo realizar tudo o que desejo. Tenho medo de quê? Sinto-me em outro plano e não temo a morte. A morte... a morte... a morte – o oposto da vida. Alguém muito célebre teve essa simples conclusão de que a morte é justamente o oposto da vida. Tento lembrar-me de quem foi. Não consigo. Se a morte é justamente o oposto da vida, então a morte não é tão misteriosa quanto se imagina. Tema pouco atraente para uma hora de sono. Melhor mesmo é pensar no infinito.
Sou quase egoísta; nada me satisfaz completamente. Ainda quero alguém só pra mim, ainda preciso acreditar no amor como um antídoto para todos os problemas... Ai... O dia está amanhecendo, alguém bate na porta. Não queria acordar! Uma preguiça estonteante abate-me na cama. Ouço o tic-tac do relógio e torço para que o tempo se demore a passar para que eu possa vencer essa preguiça que se espalha sobre mim, entranhada em meus cabelos, sobre meu corpo nu arrepiado pelo frio matinal.
Calo-me. Penso em tudo. Quase tenho medo de mim mesmo.

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE P.S.: Publicado em 2005, na coluna que me pertencia no antigo AGENDA CARIRI.