sábado, 20 de junho de 2009

FUGERE URBEM ET LOCUS AMOENUS QUARERE

Ultimamente percebia que fugia de algo. E fugia de medo, como se essa torrente desconhecida pudesse amaldiçoar suas coisas sagradas, sua mágica secreta. As pessoas lá embaixo estavam enlouquecendo facilmente, cegando os olhos da alma, manipulando com substâncias amargas a essência da lágrima, as estruturas da fome. Era preciso fugir disso, era preciso se imunizar desse mal.

Em dias assim, em que a insanidade já se fazia sentir pelos calcanhares, ele subia até o mais alto que podia, onde o clima era ameno, onde a paisagem se tornava mais exuberante e, do alto, observava aquele pequeno caos que se amontoava lá embaixo.

Lá em cima, eram apenas ele, o silêncio e o espaço. Ali, sim, ele conseguia respirar aliviado, porque era território proibido para as banalidades desses males modernos. Respirava fundo e se enchia dos tons lilases que se cintilavam pelo céu durante o cair da tarde.

O conforto daquele frio descascava o bronze artificial urbano. Ali, sim, ele podia ser a verdade. Ali ele vestia sua alma com essa riqueza gratuita que o tornava pleno. Era dono de quê? Era dono daquilo que os homens não podem se apropriar, dono das coisas que somente a alma pode ser dona sem se apoderar... Ali ele se perdia e se encontrava, sem se preocupar em ter; apenas em ser. Apenas em ser.

Hérlon Fernandes Gomes

20 de junho de 2009.

P.S.: Fotografia tirada do alto da Serra do São Filipe - Nossa porção de Chapada do Araripe. Fim de tarde.

terça-feira, 2 de junho de 2009

CAETANO VELOSO, show do Zii e Zie, Juazeiro do Norte – CE.

Sábado, dia 29 de maio, Juazeiro do Norte – CE. A Applausu's Casa de Shows estava lotada para receber pela primeira vez o ícone da música popular brasileira: Caetano Veloso. O artista está em turnê com seu novo trabalho, o álbum Zii e Zie, inaugurando um novo ritmo, o transamba -  misto de samba e rock.


Caetano Veloso é um dos nossos artistas mais consagrados, daí a ansiedade de todos por um show desse baiano-brasileiro-cidadão-do-mundo.


Ele praticamente se deteve a divulgar as canções do novo álbum, não deixando de excursionar por outros sucessos de sua carreira, como Maria Bethânia e Irene, para relembrar os anos de repressão da ditadura militar, quando merecidamente fez menção aos caririenses Violeta Arraes Gervasieu e Miguel Arraes, companheiros e braços fortes do artista durante seu exílio em Paris, no final dos anos sessenta. Especificamente Caetano dedicou a música Aquele Frevo Axé para aquela que ficou conhecida como a embaixadora dos exilados em Paris.



(Caetano e Violeta. Paris. 1970. Fotografia do site 

oficial da Fundação Casa-Grande)

O show contou com uma estrutura de iluminação bem administrada, brincando com as nuances de cor que faziam realmente a asa-delta pousada sobre o palco parecer voar sobre as turbulências de vídeos que projetavam chuvas torrenciais como pano de fundo.



O show do Zii e Zie (tradução do italiano para tio e tia) traz um Caetano renovado, mas que não se esquece dos traços característicos de sua personalidade, como seu senso político aguçado presente na composição A base de Guantânamo ou sua verve polêmica na música Tarado. A similitude de algumas canções com o rock é desvendada pela guitarra de Pedro Sá, assim como a bateria de Marcelo Callado e o baixo de Ricardo Dias Gomes, integrantes da banda Cê.


A Applausu's cantou em uníssono Não identificado. O público certamente sentiu falta de mais sucessos; mas é perfeitamente compreensível um artista divulgar seu novo trabalho e não se limitar a cantar canções do passado. Caetano é um artista inventivo, afinal, fazer uma antologia dos seus sucessos e divulgar um novo trabalho não deve ser tarefa fácil para agradar a seu público exigente e tão heterogêneo.

O cantor finalizou o show com Força Estranha, sob uma fina neblina deste ano de tanto cinza no espaço, de nevoeiros que coincidentemente (?) ilustram a capa do álbum. Zii e Zie representa o Brasil de transição das eras FHC e Lula, conforme se revela na composição Lapa. Este novo trabalho parte para analisar os conflitos do homem moderno, acostumado a se “coisificar”, a se prender em rotinas angustiantes.

 

Hérlon Fernandes Gomes