Estamos cansados, mas não há sono.
Não há sono, porque é pecado sonhar;
Não há sonho, quando há o que se temer.
Há luto pelo funeral de nós mesmos,
Segregados pelo horror,
Manequins doentes de vaidade,
Perfilados em vitrines automóveis.
É a apoteose da felicidade digital:
Do luxo libertador, do amor fácil e livre,
Do alcance máximo do prazer,
Onde o eterno é efêmero e descartável.
Não há olhos para a dor,
Que é indignação muda,
Dos que têm a esperança borrada de poeira,
Sangue, suor e descontentamento.
Enquanto isso, emergem os templos
Dos profetas da única salvação:
Savaguardas da moral capital,
Jurisconsultos de Deus,
Além do Bem, abaixo do vil metal.
Encoraja-me a sede
De beber o sentimento de irmandade entre os homens,
Sem muros de intolerância erguidos
Em nome de verdades relativas.
Sinto uma monstruosa fome
De ver os hipócritas pagarem suas penas,
De não ter o silêncio como amigo resignado,
De assistir ao despeito ser palco
Aos que merecem o cárcere como espetáculo.
Mas a Justiça é cega e adormecida,
O beco é escuro e suicida.
Tateamos pelas paredes da ignorância
À cata do letreiro da porta de saída.
A liberdade nasce em solo humilde,
Dela é mestra a sabedoria,
Além dos livros, tão íntima como a fé.
Colheremos seus frutos de luz
Com respeito à dignidade,
Ao amor tolerante e plural;
Pela crença no melhor do homem,
No ideal de fazê-lo pleno, justo
Hoje, amanhã e sempre.
Hérlon Fernandes Gomes
31 de Agosto de 2016