sexta-feira, 2 de setembro de 2016

LIBERTAS QUAE SERA TAMEN




Estamos cansados, mas não há sono.

Não há sono, porque é pecado sonhar;

Não há sonho, quando há o que se temer.


Há luto pelo funeral de nós mesmos,

Segregados pelo horror,

Manequins doentes de vaidade,

Perfilados em vitrines automóveis.


É a apoteose da felicidade digital:

Do luxo libertador, do amor fácil e livre,

Do alcance máximo do prazer,

Onde o eterno é efêmero e descartável.



Não há olhos para a dor,

Que é indignação muda,

Dos que têm a esperança borrada de poeira,

Sangue, suor e descontentamento.




Enquanto isso, emergem os templos

Dos profetas da única salvação:

Savaguardas da moral capital,

Jurisconsultos de Deus,

Além do Bem, abaixo do vil metal.



Encoraja-me a sede

De beber o sentimento de irmandade entre os homens,

Sem muros de intolerância erguidos

Em nome de verdades relativas.




Sinto uma monstruosa fome

De ver os hipócritas pagarem suas penas,

De não ter o silêncio como amigo resignado,

De assistir ao despeito ser palco

Aos que merecem o cárcere como espetáculo.



Mas a Justiça é cega e adormecida,

O beco é escuro e suicida.

Tateamos pelas paredes da ignorância

À cata do letreiro da porta de saída.



A liberdade nasce em solo humilde,

Dela é mestra a sabedoria,

Além dos livros, tão íntima como a fé.



Colheremos seus frutos de luz

Com respeito à dignidade,

Ao amor tolerante e plural;

Pela crença no melhor do homem,

No ideal de fazê-lo pleno, justo

Hoje, amanhã e sempre.




Hérlon Fernandes Gomes


31 de Agosto de 2016

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

INTROSPECÇÃO MÍSTICA



O calor morno do sol nas costas,


O vento frio no rumo da correnteza do rio,


O espaço a se perder de vista,


Meu infinito íntimo desconhecido...


O desejo nunca pronunciado mas vivo,


O suspiro profundo e sem pressa


— Que é insatisfação, que é também contentamento.


A surpresa que não acontece e o suspense no tempo para sua chegada...


***


Minha mão acaricia o rio e já não sou o mesmo de segundos atrás.



Hérlon Fernandes Gomes
Lúmen



MYSTIC INSIGHT

The warm heat of the sun on my back,

The cold wind in the direction of the river current ,

The space to be lost sight of ,

My infinite intimate stranger ...

The desire never pronounced but alive ,

The deep breath and unhurried

- wich is dissatisfaction , which is also contentment.

The surprise is not the case and the suspense in time for its arrival ...

***

My hand caresses the river and I am no longer the same seconds ago.

Hérlon Fernandes Gomes
Lúmen

segunda-feira, 18 de abril de 2016

SABEDORIA (ἀλήθεια)



Vou estender minhas carências ao sol,

Dar de beber às minhas sedes,

Soltar os medos pelo pasto livre,

Plantar esperanças e colher alguma fé.

Ficarei em silêncio

A ouvir a oração do meu íntimo me dizer

Que minha paciência deve duelar com a angústia;

Que preciso esperar pelo inesperado

Com a casa sempre em ordem para a surpresa sem tempo.

Preciso não me incomodar com o espelho

A me denunciar que a juventude se esvai;

Mas devo me precipitar ao poço infinito da minha alma

Onde uma planta rara jamais deve envelhecer:

Quieta; para muitos, invisível;

Para outros, inatingível...

Desço com dificuldade a esse fundo insalubre,

Mas ali está ela, cheia de viço, luz

A me suplicar para que eu não enlouqueça,

A me segredar o conforto no holocausto

A me dizer o quanto sou belo.


Hérlon Fernandes Gomes