quarta-feira, 30 de abril de 2008

SÉRGIO - UMA EQUAÇÃO MATEMÁTICA

Sérgio era um homem extremamente prático, como uma fórmula matemática. Não havia nele um tato especial para os sentimentos; qualquer manifestação de carinho precisava ser ensaiada anteriormente, merecida, para ser exteriorizada. Sua felicidade era calculada em quanto dinheiro poderia lucrar, em quanto conseguiria poupar; seu espírito rejubilava-se quando constatava que tirara vantagem sobre alguém – como um prazer meio sádico.
C
asamento era uma espécie de negócio. Claro que era preciso gostar da pessoa. Laura era uma mulher bonita, bem educada, equivalente ao seu prestígio. Era inteligente, atenciosa, ótima amante, devotada à organização da burocracia doméstica. Era, sim, uma pessoa indispensável em sua vida. Achava-se um bom marido; não faltava conforto na vida dos dois. Quanto à fidelidade, era pregador do ditado de que “o que os olhos não vêem, o coração não sente”. Todo homem tinha direito a extravasar seus instintos em outras camas, para fugir do tédio, para se sentir realmente homem, para alegrar o íntimo, para ter um gosto de novidade a lhe habitar as manhãs.

O
valor das coisas precisava necessariamente de um preço. Seu âmago sentia isso. O perfume parecia cheirar mais se o preço fosse exorbitante, assim como uma roupa, um sapato, uma viagem, a comida, um motel... Divulgar esses valores para si mesmo tinha um gosto bom, algo indizível por ser indescritível, só sentido dentro de si.

S
eu espírito tinha quase uma idéia insana de superação. Não admitia adversários poderosos em sua empresa. Qualquer um que ameaçasse sua gerência logo seria surpreendido pelos seus prodígios, pois seu combustível era justamente o desafio. Não, não precisava se elevar embasado em meios imorais, sua ambição era o seu termômetro. Nasceu para ser o melhor, gostava de ser o destaque e era inteligente o bastante para não se permitir uma subjugação. Era, sim, uma espécie de egoísmo que o estava transformando numa criatura artificial, no arquétipo do que ele construía como se planejava o sucesso do pregão de uma bolsa de valores.

E
stava sendo assim no seu cotidiano. Suas melhores amizades precisavam ter características preestabelecidas. Os mais ricos e bem mais sucedidos sempre tinham um tratamento mais cordial – nesses ele conseguia olhar nos olhos. Os subordinados pareciam não possuir nome, eram simplesmente obrigados, pessoas que não tiveram o privilégio de serem dotadas de sua maestria.

E
ra um excelente ator. Apesar dessa frieza mecânica, conseguia transparecer um ar de cordialidade; mas só porque isso deveria ser conveniente...

E
m casa, estava geralmente cansado, com as mesmas palavras ditas em tom baixo, em tom de cansaço, exigindo da esposa uma dedicação que ele acreditava ser, no mínimo, justa... E era ela quem se dedicava mais, enquanto ele se esparramava na cama para ser cliente de seus carinhos, de seus beijos, do calor quente da sua boca... E isso era um alívio... Em pouco tempo estaria sonhando.


Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE, 30 de abril de 2007.

domingo, 27 de abril de 2008

CRISTIAN - O GAROTO DE PROGRAMA

Vez por outra era invadido por uma necessidade de se livrar da presença humana – sua e dos outros. Em dias assim, esperava algumas horas antecedentes do fim de tarde para se refugiar longe do ambiente urbano e cheio de humanidade. Não costumava ser recluso, não gostava de encarar a solidão como um estado permanente. Mas precisava estar só para exorcizar coisas suas, encarar pensamentos complexos que apenas ele conseguia compreender de maneira lúcida.
Acendeu um cigarro e deixou expandir a mente como a fumaça se esvaía no tempo.

U
m gafanhoto o fez lembrar da irmã. Lembrava-se que ela morria de medo de gafanhotos e ele usava-os para chantangeá-la, para se divertir com o seu pavor... Riu de saudade. A irmã e sua presença morna de um mundo de onde sumira. De mãe, não havia uma lembrança; fora criado por madrasta, e esta realmente ilustrava o mais fiel estereótipo de uma. Ficaria órfão de pai ainda menino. Sua vida seria essa constante de se sentir um intruso naquela família... Mas a irmã traduzia uma lembrança carregada de uma essência que ele sentia falta: uma idéia de família, de segurança... E isso era algo tão distante que ele imaginava ser preciso lembrar sempre para poder se sentir melhor, para saber que ele era mais que um corpo.

C
omeçou a se prostituir aos vinte um anos. Não gostava do peso do verbo, mas não tinha culpas banais; aprendeu a encarar a crueza da vida e isso lhe construíra um temperamento facilmente adaptável a qualquer gosto. Mecanizara-se. Seu porte, sua beleza e gentileza ajudavam perfeitamente no seu sucesso. Suas ambições eram grandes? Elas agora pareciam nem importar? E o que importava? Importava querer saber pra quem ele queria construir a felicidade planejada e sempre adiada. Felicidade adiada porque seus planos se modificariam e seriam cada vez mais colossais?

E
ra um homem inteligente. Os outros, se o enxergassem do íntimo, diriam que ele poderia ganhar a vida dignamente... Mas pensava um dia em deixar disso. Seria questão de tempo ou o quê mais?

C
omeçava a se desenhar numa vida de amor, numa vida cotidiana. Parecia uma roupa que não lhe servisse... Dentro de si, evidenciava-se exilado do amor, das coisas sublimes, de lembranças que tinham uma raiz perdida.

S
entiu-se meio monstro; talvez amaldiçoado.

L
embrou-se de que tinha uma cliente. Subiu na moto e seguiu respirando o resto de sol que se acabava no vento frio da estrada.

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE, 27 de Abril de 2008.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

O SEGREDO DE MARINA

Marina estava envolvida na própria vergonha, nesse sentimento que a tornava pequena. Em dias assim, conhecia o seu estado menor de pequenez, não gostava de seus reflexos diante do espelho, censurava um comentário da própria voz seca. Eram tempos ou eram situações? Ultimamente estava mergulhada nesse limbo. Agora mesmo, sentia apagar-se, pouco a pouco. Era uma sensação estranha, como se sucumbisse e pudesse impedir o processo nos momentos finalíssimos. As coisas passaram a se tornar insossas; os sentimentos passaram a não despertar emoção alguma. Ia se fechando, já não tinha noção da exuberância que exercia sobre todos.
A
té quando esse desejo reprimido iria consumi-la? Já tivera vários homens, já conhecera a intimidade de vários deles, mas nenhum preenchia esse vazio dentro do seu peito. Um desejo guardado e assassinado tinha o mesmo valor de uma mentira? Sentia-se tão mal mentindo... Mas isso jamais seria uma desculpa, pois sua verdade era construída realmente em valores baseados em sentimentos justos. Estava sendo justa consigo mesma? Fazia de tudo para não perder o prumo da razão.

A
paixonara-se pelo esposo de sua melhor amiga. Sentia-se desconfortável quando pensava nessa situação, imaginava-se o próprio Judas. O mais cruel de tudo isso era ter de disfarçar, fazer de conta que tudo continuava como antes.

N
ão lembrava o momento em que se descobrira desejando-o, amaldiçoava esse tempo, praguejava contra si mesma e chorava esse castigo que a consumia há mais de um ano.

T
odas as bocas que beijava, desde então, eram dublês de Sérgio. Todo carinho especial era acompanhado de olhos fechados imaginando Sérgio. À noite desejava sonhar com ele e pedia involuntariamente que pudesse encontrá-lo ao menos em sonhos – mas até aí enchia-se de seus princípios morais e não conseguia sequer beijá-lo.

S
erá que ela estava sendo traidora em simplesmente desejá-lo? Será que existiam pessoas na mesma situação? Tinha medo de contar a alguém, pois o desejo contado instiga a gente a desejá-lo mais e mais. Sérgio tinha uma presença morna. Adorava ouvir a voz grave e tímida dele. Quantas vezes, ao visitar o banheiro do casal, não cheirara camisas, toalhas e até cuecas na tentativa de descobrir uma essência mais íntima do perfume dele? Quão infantil e ridícula se tornara: uma mulher feita, dominadora como sempre fora em seus relacionamentos anteriores, agora completamente submissa a uma paixão platônica.

N
ão pensava mais em se entregar a sentimentos dominadores. A gente quando vai envelhecendo pensa que vai ficando imune a isso; mas de repente uma luz acende e tudo recomeça como da primeira vez. O diferencial é que aprendemos a renunciar paixões para preservar pessoas. Essa experiência nunca acontecera com ela, mas pensava assim.

E
la e Laura foram colegas desde o colegial, confidentes cegas uma da outra.


Hérlon Fernandes Gomes, 24 de Abril de 2008 - Brejo Santo - CE.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

A ESPERANÇA DE LAURA

A esperança ressuscitava-se sempre. Era um desses sentimentos surpreendentes em Laura. As coisas por insolucionáveis que fossem, aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, resolviam-se.
Sua vida tinha cara de provação. Resolveu se achar bonita, porque há algum tempo lembrara-se que o fora. Foi ao cabeleireiro retocar a raiz do cabelo; depilou-se; resolveu perfumar-se com a melhor colônia e sair depois para comprar frutas usando a roupa adequada – mas a melhor que havia no guarda-roupa. Precisava sentir-se assim para si mesma...
Respirou fundo e notava com admiração que a vida podia ser imensa.
Havia sido entregue a uma paixão sem limites. Deixou-se cegar, ao extremo, das coisas mais óbvias. Sua janela direta com o mundo tinha o nome de Sérgio O que agradaria sua alma, necessariamente permitiria o mesmo a Sérgio. Sérgio era sua mais intensa felicidade. O êxtase mais secreto tinha o nome de Sérgio. Ele construía sua existência...
Em menos de um ano de namoro, resolveram morar juntos. Foi gostando de se tornar dependente de alguém, foi fácil colocar nele o seu posto de porto-seguro mais próximo. Ele talvez tivesse uma segurança em si mesmo mais aflorada do que a dela. Dependia dele para escolher uma roupa, porque qualquer olhar reprovável a faria mudar de idéia mesmo... No fundo, ela sempre quis agradá-lo; pois era a felicidade dele que a fazia ficar bem...

Com dois anos de namoro, casaram-se na igreja e de papel passado. Em menos de seis meses depois, teve a primeira prova concreta de uma traição. Calava para si o segredo e se perguntava onde errara.
Começaram a se amar com menos fervor, já não se tratavam como antes... Ele já não dormia todas as noites em casa, arranjava uma desculpa qualquer ou sequer avisava...
Meses de coma do espírito.

E um dia assim, eis que está no jardim, entregue ao desprezo que se achava estar, surpreende-se com o jardineiro:

- A senhora só parece ficar mais bonita com o passar do tempo! – riu-se e foi embora.
Ela sabia que aquele elogio era sincero. Aquele simples gesto a fazia perceber que conseguia ser notada e não simplesmente notar os outros.
A esperança lhe reacendeu. Parece que tinha se esquecido de como era ser feliz. Viu-se nesse tempo... Caminhos melhores começavam a se desenhar como saídas exatas.

Calor de fim de manhã. Admirou-se do rosto maquilado, sentia-se interessante! Riu, gostou do sorriso. Colocou os óculos escuros, saiu à rua e pensou seriamente em arranjar um amante.

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE, 23 de abril de 2008.
P.S.: Ao meu amigo-irmão Ivan Frank, que tem a cara e o espírito da esperança.

terça-feira, 22 de abril de 2008

LIBERDADE E RAIZ - A NOVIDADE MUSICAL

O Crato sempre foi um lugar de vanguarda no cenário cultural caririense. O cratismo é um conceito evidente e palpável, ele é a magia que encanta os artistas que bebem do manancial de suas águas...
A banda Liberdade e Raiz é exemplo desse cratismo. Não seria ousado afirmar que os jovens músicos estão realizando uma revolução cultural no cenário da música cearense, da música nordestina.Vejo no trabalho deles qualquer coisa parecida com o despontar de Chico Science e Nação Zumbi a anunciarem o som do mangue; qualquer coisa ao sabor do Cordel do Fogo Encantado, saído de Arcoverde para o restante do país. Não se trata de entusiasmo barato, o elogio é gratuito e sincero. Por quê? A resposta está nesse casamento perfeito entre o universal (o reggae) e o regional (os ritmos do Nordeste). Lembro-me de um pronunciamento de Gilberto Gil ao explicar o DVD KAYA N'GAN DAYA: "Na verdade, encontrei uma espécie de similitude entre o Cangaceiro e o Rastaman. Ambos causando-me a mesma impressão de estranheza, beleza e grandeza em seus processos / projetos de vida. [...] Para um artista, músico como eu, o foco obviamente recairia sobre a música que se liga e se refere a ambos, o Cangaceiro e o Rastaman, e os associa, direta ou indiretamente, a dois dos maiores artistas da música popular do século que passou. Dois mestiços, em todos os sentidos, dois dos meus maiores ídolos: Luiz Gonzaga e Bob Marley. Gonzaga: um Cangaceiro implícito, idílico. Marley: um Rastaman explícito, real." E a grandiosidade de Gil está em reconhecer essa fusão perfeita entre os ritmos do reggae, do xaxado, do forró.
A banda
Liberdade e Raiz traz essa proposta musical. Não é mais uma banda croner a imitar o básico. Ela cria. Estou com um CD demonstrativo, com sete faixas, oferta do meu amigo Wilame Jr., guitarrista da mesma. Imperceptivelmente e coincidentemente venho acompanhando algumas apresentações da banda. Entusiasmei-me de verdade com o que ouvi deste último trabalho, notadamente o reggae O MATUTO DO SERTÃO - uma confluência de ritmos que variam do xaxado aos sons jamaicanos de Bob -, misturando o nosso folclore, elementos do nosso regionalismo, desse gosto bom do Cariri, sem deixar de ser uma crítica social à situação de muitos nordestinos oprimidos. Bons ventos guiem a banda. Talento vocês têm de sobra! Parabéns ao vocalista Canelão, que é também um poeta cult-regional da melhor estirpe! Aos arranjadores musicais, pela criatividade! Sucesso. O Cariri inteiro também tem a cara do reggae!

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE, 22 de abril de 2008.

PROFESSOR JOSÉ TELES DE CARVALHO - UM ESPÍRITO DO SABER

O professor José Teles de Carvalho entre seus alunos. 1956.


Continuando o rol de grandes nomes que engrandeceram nossa terra, não poderia deixar de tecer alguns comentários sobre o eminente e saudoso professor José Teles de Carvalho que, se este ano fosse vivo, completaria 90 anos de dedicação ao nosso povo.São 10 anos sem a presença física do educador; mas Brejo Santo ainda colhe os frutos de sua jornada.

Grande deve ser o homem que se faz através do saber, e não através de suas posses. Há almas que vêm a este mundo com determinações específicas de evolução e revoluções, as do professor José Teles de Carvalho estiveram sempre ligadas ao desbravar do saber.
O menino José teve infância humilde, precisou muitas vezes recorrer aos amigos para pedir livros emprestados. Foi aluno-prodígio da professora Balbina – ela lhe adivinhara o futuro do saber e pessoalmente o encaminharia ao Colégio São Francisco, em Canindé, um lugar a oferecê-lo um mundo mais aberto à educação.
Aos dezenove anos estréia no magistério, lecionando Português, Francês, Ciências e História Universal no referido colégio que o acolhera.
Em 1941, com a ajuda do irmão e em salas cedidas por amigos, funda o Instituto Padre Viana, iniciando uma saga na educação brejossantense.
O professor José Teles foi um homem de visão ampla e entendia que o saber era uma força capaz de libertar qualquer homem. Com os ralos recursos que havia na época, contrariando teorias pessimistas, independente dos Poderes Públicos constituídos; mas sob o rigor da lei, implementa em Brejo Santo uma escola de iniciativa particular para atender aos anseios da comunidade.
O professor galgou todos os degraus que pôde para tornar a Escola no que havia de melhor na cidade – e conseguiu! Em 1965, seria instalado o Curso Pedagógico e, em 1966, o Curso de Técnico em Contabilidade.
Era mestre da disciplina, sendo capaz de, naquela época, lecionar em salas multiseriadas para atender à demanda, sendo conhecido por seu respeito e ordem. Das salas do Colégio Padre Viana saíram e continuam a sair mentes melhoradas que enchem de orgulho nossa terra.
Seu aniversário era comemorado por toda a cidade, instituída entre as melhores festas do ano!
Não era homem de visão capitalista. Na sua escola, muitos eram seus “afilhados” e estudavam de graça sob sua generosidade.
Minhas lembranças vivas do professor remontam o início da minha adolescência. Ele já não mais lecionava; era o diretor, império do respeito.Figura inconfundível no pátio e nos corredores da escola. Andava sempre bem trajado: paletó, gravata, cabelo bem penteado. Os alunos não o temiam, admiravam-no. Não lembro de uma posição deselegante e mal-educada naquele homem, vai ver porque não existiam. Lembro que, na 8a série, ganhei um concurso de quadrilha como noivo, imitando-o. Tive medo de ser repreendido; todavia percebia que ali também residia um espírito bem-humorado.
Mente sempre a par dos acontecimentos sociais do mundo, foi um homem respeitado por muita gente. É a figura mais saudosa da Caldeira do Inferno – retiro de boêmios e intelectuais da cidade.
Sou suspeito para falar deste homem. Minha melhor formação escolar instaurou-se entre as salas do Colégio Padre Viana e quis o destino me transformar em um dos seus professores.
Fica, do grande professor, essa crença certa de que a educação é a luz do espírito. Que a escola deve ter um papel determinante na figura do homem; que cabe a ela transformá-lo em um ser melhor.



Hérlon Fernandes Gomes, 21 de Abril de 2008 - Brejo Santo - CE.
À família Teles de Carvalho, que continua na construção dos ideais do Professor.
FONTE DE PESQUISA: RESUMO HISTÓRICO DO PROFESSOR JOSÉ TELES DE CARVALHO - EM PROSA E VERSO - Tancredo Teles

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Do novo livro QUESTÕES DA ALMA - Poemas Profundos

GRAVURA DO 2o. MANUSCRITO DE GEMINIANOS
O INDESCRITÍVEL

O escrever me conforta 

Em noites que me querem confundir,

Em personalidades malucas que eu assassino todos os dias,

Em medos que me buscam estrangular. 

Tenho respirado mais fundo nestes dias... 

A dor do homem parece ser uma só, 

Mas ele talvez precise se esquecer de sua existência. 

O mundo me oferece desejos que o dinheiro não comprará, 

Desperta-me desafios que sei do fracasso iminente... 

São versos que me perdoam, 

Mentiras que talvez me absolvam ou me condenem

De males que não quis causar, 

De sabores proibidos que me ousei permitir.

*** 

São fragrâncias da alma, 

Coisas que talvez não se escrevam, 

Coisas que talvez só se sintam.


Hérlon Fernandes Gomes
Brejo Santo - CE
21 de abril de 2008 - Tiradentes.
23h12min

terça-feira, 15 de abril de 2008

O CASARÃO DA FAMÍLIA VIANA ARRAIS

O QUE SOBROU DO CASARÃO - 1994

O CASARÃO RECONSTRUÍDO POR EFEITOS DE COMPUTAÇÃO


A tarefa do verdadeiro mestre é iluminar. Iluminar sempre. Cheguei à Vila de Brejo dos Santos em 1898, uma época difícil para a mulher, relegada ao segundo plano, às tarefas domésticas, à submissa obediência aos homens. Uma mulher letrada tinha gosto de petulância, vai ver porque o saber sempre fora um privilégio e, nessa época, até poucos homens o detinham. Tempos difíceis aqueles... Em 1907, o Casarão da Família Viana Arrais seria concluído caprichosamente pelo meu irmão, o padre Casimiro. Construção arrojada, sólida, assim como o desejo dele em ver este lugarejo prosperar. Ali, alfabetizei crianças, adolescentes e inúmeras mulheres casadas, todas analfabetas à época. À luz do candeeiro, muitas vezes reuníamo-nos a desbravar os caminhos da ignorância. Era como fazer um cego enxergar, pois o mundo da leitura é uma porta aberta ao alumbramento infinito... Neste Casarão, plantaram-se as melhores sementes do progresso desta cidade... Hoje, a ruína e a lacuna são a presença dolorosa em uma esquina... O saber não feneceu com o tempo; mas não sei que força ignominiosa furtou desse povo o gosto pela preservação de suas raízes... O dinheiro, por si só, jamais será sinônimo de caráter; o poder, por si só, não engrandece um homem... Neste Casarão, valores assim eram discutidos, na balbúrdia das manhãs, nas tardes quentes, entre dezenas de crianças... Eu poderia, hoje, nem ser um fantasma, não fossem os caminhos do saber que esse povo me permitiu abrir... A fantasmagoria mais assustadora permanece nesse vazio, nessa esquina que marca uma falta perpétua, nesse resto de chão que só é saudade.

Hérlon Fernandes Gomes, 15 de Abril de 2007 - Brejo Santo - CE
P.S.: Dedicado especialmente à Dona Marineusa Santana, pelo seu espírito saudosista. Ao amigo Ronaldo Lucena, pela sua paixão à história do Casarão, demolido irresponsavelmente em 1994,e pela vontade em ver prosperar a cultura desta cidade.À Família Viana Arrais, em nome de Auriluce Arrais e João Neto - bisneta e tetraneto da Mestra! Com afeto.


APÊNDICE - Livro Brejo Santo - Sua História, Sua Gente: BALBINA VIANA ARRAIS ,Nascida em: 05.12.1862 Falecida em: 28.02.1951 DADOS: Era natural de Lavras da Mangabeira, tendo chegado a Brejo Santo em 1898, nomeada professora estadual, sendo a 2ª nesta categoria na história da educação do município. Quando chegou a Brejo Santo, todas as senhoras casadas eram analfabetas, exceto Maria Beata e sua irmã, provenientes de Pernambuco. Balbina Viana resolveu ensiná-las a ler, em horário noturno e à luz de candeeiros. Aposentou-se em 1919, depois de 36 anos de atividades. Seu esposo, Lídio Dias Pedroso, farmacêutico prático, instalou a 1ª farmácia de Brejo Santo, que era denominada simplesmente BOTICA. Esta Botica funcionou inicialmente (1898) na residência do Coronel Basílio, sendo depois transferida para o casarão onde ainda hoje residem os seus descendentes.NOTA Balbina Viana, além de ser nome de rua, é ainda o nome do Colégio Estadual. É importante salientar que a família VIANA ARRAIS esteve sempre ligada a todos os acontecimentos e atividades educacionais da terra. Foi um dos seus genros, Nicolau Viana Arrais, que, em 1928, fundou um movimento de Escoteiros.
Autor: Francisco Leite de Lucena

domingo, 13 de abril de 2008

FANTOCHES DE DEUS

Estou pouco a pouco esquecendo do seu olhar... Seus detalhes vão sumindo de minha mente como o castelo de areia que vai se transformar em duna por falta da umidade que lhe dê consistência... Não sei qual vai ser a sensação de não ter emoção nenhuma sua... O tempo se encarrega por si só de tudo isso... É um processo involuntário do meu coração, é o fim de uma via crucis; mas que me rende uma saudade antecipada. Eu queria não estar ligado ao lado efêmero das coisas; mas não posso ser esse baú de lembranças que querem ser o motivo principal de minha existência. Eu preciso aceitar essa destruição que o tempo opera em mim – essa ruína lenta, só perceptível porque sou um ótimo observador de mim mesmo. Aí você dirá que também restaram as fotografias, que em qualquer livro que abra também estará estampada a minha caligrafia ou um resto de perfume envelhecido... E você lembrará de mim também com distância, como se tudo só tivesse sido imaginado. Não, nesse tempo qualquer imagem desse passado não terá mais eco em mim e eu não lamentarei nada, porque o curso da vida não pode parar... Eu nem sei porque lembro disso agora... Talvez para compensar a futura mudez com a qual nos depararemos; talvez para que a palavra de hoje ria do tempo e reconstrua essa mágica sepultada no passado. Eu sei que você dirá que eu sou muito reticente; mas aí eu já nem vou me lamentar pela sua ignorância em relação a como eu sentia o mundo – vai ver eu até agradecia isso, porque você nunca me enxergou por inteiro. Eu fecho os olhos e ainda consigo construir seus contornos; eles já aparecem desfigurados. Antigamente, eles tinham o poder de me iluminar; hoje, infelizmente, têm um gosto aguado, de uma água desconhecida que não sacia a sede... Não sou eu que sou mal; não, também não é você! Seremos todos a melhor diversão das paixões, dos sentimentos que Deus colocou no mundo para nos governar e que depois, ao poder do acaso, descartam-nos sob a égide do tempo; de feridas que um dia, quiçá, cicatrizem; de presenças que precisem se exorcizar. Não, nós não podemos quase nada contra o que o mundo nos precisa fazer sentir...
Onde está a sua alma agora, nesta noite em que a insônia me inspira?


Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE, 14 de Abril de 2008.
P.S.: Para Danielle Leite Cavalcanti, que comunga de opinião idêntica e sempre me ilumina!

sábado, 12 de abril de 2008

BONS SONHOS (UTOPIA ABENÇOADA)

Banho tomado. Cheiro de sabonete. Sensação de estar limpo e pronto. Pronto para nada, para ninguém; mas pronto pra si mesmo. Estava rindo intimamente dos imbecis, talvez com um pouco de inveja, já que eles não tinham a noção da alma que ele possuía. Era essa noção a responsável pelo peso maior, pela questão de todas as questões. Como conseguir explicar? Ele se achava diferente no meio da massa; não se identificava com a massa humana vegetal que purulava pelos cantos feito máquina de dinheiro. Ele percebia-se alma, tinha necessidades diferentes... Estava tão difícil encontrar alguém que se enquadrasse em seus patamares... Os ideais da humanidade pareciam deformados se comparados aos seus. Sentia-se um forasteiro neste mundo, idealizava sua cara-metade, pois a idéia de solidão lhe incomodava. Sentia sono, estava meio bêbado, cheio de sentimentos de perseguição, de medos inconfessáveis, segredos que lhe soavam absurdos e que ele não queria verdadeiramente acreditar. A noite ameaçava cair numa chuva torrencial. Torcia para isso. Gostava de passar o tempo observando a chuva, ouvindo o seu barulho até o sono abatê-lo completamente. Tinha mesmo de se preocupar com o futuro? Essa necessidade de ter o amanhã certo e construído cansava-o... Precisava mesmo era ter de gostar da incerteza do amanhã, de aceitar até mesmo o próprio fracasso como dádiva... Enrolava-se cada vez mais nas suas questões existenciais; mas não deixava de ser humano. Não parava de desejar o que o humano deseja; não evoluía no seu egoísmo; sua fúria de desejos não esmorecia: seria sempre o menino a desejar um doce a mais; o amante a querer mais da própria luxúria; o banqueiro a aspirar por mais riqueza... Todavia tinha uma força incógnita a levá-lo numa evolução maior. Parece que seu crescimento só teria sentido se se operasse de dentro do seu íntimo, se ele passasse a dar vazão a essa força que trazia dentro de si... Seus sonhos, naquela noite, trariam respostas necessárias e teriam a solução exata para suas dúvidas.Como num passe de mágica ele resolveria seus mais graves problemas e seria discípulo de uma força que o levaria à evolução almejada.

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE, 13 de Abril de 2008.
P.S.: Este é dedicado a todos os imbecis que jamais serão escravos de uma mente questionadora e, por isso, são mais livres, embora bestiais! À ignorância liberta pela qual vocês foram abençoados.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

PELIGROSO, MALDOSO Y MALICIOSO


Era assim que ele se definia... Seu quarto tinha cheiro de maconha e incenso. Parecia mais um templo, pois a atmosfera não era de um ambiente comum. O enorme quadro com a gravura de Bob Dylan e Joan Baez irradiava uma espécie de misticismo. Recebia-me sempre com bom humor e seus olhos vermelhos a adentrarem minha alma... Na sua picape velha rodavam ainda raros long-plays; a estante trazia livros desde Sartre e Simone; Clarice Lispector e Herman Hesse; teorias de Marx e Engels... Ele me convenceu a deixar de ser loira e me tornar ruiva, pois isso clarearia minhas idéias. Convidou-me a morar com ele no dia em que nos conhecemos. Não me prometeu paixão barata de pára-lamas de caminhão; mas me prometeu companheirismo, carinho e me evitar de qualquer solidão desoladora. Nosso nicho ficava no alto da Lapa, entre o barulho do velho bonde e cantorias de vagabundos a serestarem pelas madrugadas bêbadas. Chamava-me de "minha princesa" e todos os mais carinhosos adjetivos possíveis. Cozinhava bem e conseguiu me fazer feliz durante um bom tempo, até que se tornou socialista demais no amor; quando eu, na minha alma de mulher, instituíra um latifúndio em seu coração... Meu ciúme era termômetro do meu amor-próprio e este precisava ser minha dose maior. Sim, a traição me desrespeitava... Da maneira como ele entrou em minha vida, saiu. Lembrar dele traz sempre um sabor de riso bom, gosto de festa, de arrepio vadio na pele, de liberdade... Ele me ensinou que alguns venenos da vida podem ser deliciosos se tomados na dose certa e, com isso, me fez mais segura de mim mesma. Sua lacuna me fez perceber que tenho pernas capazes de trilhar meu próprio rumo, porque ele foi o meu maior desafio. Hoje, ironicamente, acaricio meu filho enquanto na TV, no canal do Governo, na tribuna, de paletó e gravata, ele discursa... Será que você ainda conserva aquele mesmo gosto dos primeiros tempos? Onde estará sepultada aquela preguiça mansa?
Hoje, você é apenas uma lembrança boa, como uma velha e bela fotografia perdida e reencontrada. Depois desse amor eu tive medo de precisar de alguém, eu tive tanto medo de me decepcionar... Encontrei a resposta no tempo, voando no vento, como na voz de Dylan e Baez: The answer, my friend, is blowing in the wind... A resposta sempre estará pairando no vento... E é só.

Hérlon Fernandes Gomes, 10 de Abril de 2008. Brejo Santo - CE.

P.S.: Para Freddie, com todo o meu carinho, à sua loucura ingênua e mansa, ao seu espírito liberto que me ensinou coisas felizes, ao seu sucesso perene - que seja sempre eterno! Para o Tubarão do Rio Branco, que me permitiu usar esse título que é praticamente uma marca resgistrada sua! Valeu Filipe!

terça-feira, 8 de abril de 2008

CLAUSURA – UM AMOR REPRIMIDO



O Convento da Santa Piedade localiza-se no alto de uma colina, longe da turba urbana, longe dos privilégios de qualquer conforto. Éramos trinta internas, fora o Conselho Superior, composto de seis madres.
Vivíamos em regime de clausura, pela qual a fé poderia ser alimentada e exercitada. Não sei que emoção me invadiu no dia que adentrei aquela imponente arquitetura, austera, fria, silenciosa; mas cheia de algo que precisava me bastar. Deveria renunciar ao que era humano, para purificar minha alma, para ser mais espírito e estar cada vez mais próxima de Nosso Senhor. Era uma escolha não tão difícil para uma menina órfã de mãe, sem nenhuma irmã, acostumada à rudeza de meu pai e dos meus irmãos.
Ali dentro eu esperava encontrar minha liberdade.
Lá conheci Eva, minha vizinha de clausura, uma alma tão diferente da minha; alguém de quem as asas pareciam cortadas; mas sua vontade de voar iluminava-a toda. Eva era como um dia cheio de sol e, por isso mesmo, não era vista com bons olhos por Madre Paulina - o coração mais seco que eu conheceria em toda a minha vida.
Eva pensava coisas inconcebíveis a alguém que aspirava por usar o hábito; vai ver porque ela praticamente estava ali obrigada pelo seu destino cruel de filha enjeitada. Pouco lhe interessavam os antepassados. Era alguém com visão prospectiva, cheia de uma seiva proibida de brotar dentro das muralhas do Convento da Santa Piedade.

Vez por outra, tínhamos a grata felicidade de sairmos do claustro para tomarmos sol e, com isso, podíamos colher algumas frutas nos arredores dali. Éramos recomendadas a não nos afastarmos muito; mas Eva nunca obedecia à risca as ordens superiores. Ela gostava de admirar um rio que corria ali próximo e me carregava consigo. Não minto que me deixava cativar, principalmente porque nela pulsava uma energia liberta, algo que eu nunca conhecera.
Dizia-me ela da vontade de ser aquele rio de águas revoltas a deslizar sobre as pedras, a desenhá-las a forma desejada, a fluir por entre as matas, dias e noites, para certamente desembocar no mar.
Eu nunca vira o mar, nem mesmo em gravura, mas ela mo desenhara algumas vezes... Descrevia-o como o êxtase da liberdade, como a hipnose abençoada, como a prova mais completa da existência de Deus, pois céu e terra pareciam se tocar... Era como sentir o infinito, sentir o amor do Senhor à vida! Nisso me convenceu a entrar nas águas do rio e, sem pudor algum, despiu-se, despi-me... E aquela foi uma das imagens mais fulminantes que veria durante minha vida. Era um não-sei-quê a prender-me os olhos, a embaraçar-me as idéias, a envergonhar-me, a esquentar-me a superfície da pele que, de tal maneira, esqueci de que não sabia nadar e adentrei nas águas...

Despertei nos seus braços, com um beijo que me tentava reviver, com um toque de lábios que me seduzia... Nós duas, ali, desnudas, numa imagem pagã que me perseguiria até nossa separação, anos mais tarde. Deus sabe o quanto penei nesse meio tempo; Ele sabe o quanto carpi por aquele desejo que me consumia, pela ânsia que me escravizava. No íntimo, em oração, não mensurava pecado, pois era a coisa mais sublime nascida em mim...
Agora estou diante do mar e penso em Eva. Ironicamente a primeira mulher do mundo. A única mulher que amei; a única mulher a ocupar meus pensamentos durante todos esses anos. Ela me inspira liberdade diante deste mar, uma liberdade aprendida nas clausuras de Santa Piedade e de mim mesma.

Hérlon Fernandes Gomes, 08 de Abril de 2008 - Brejo Santo - CE.

P.S.: Em memória de Oscar Wilde.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

EU, O INVERNO E DEUS

Há sono em minha alma, mas uma necessidade insistente de permanecer acordado. Estou esquecido do tempo; ele não está de mim. Minha vida foi abençoada com uma alma vibrante, inquieta; percebo-me singular diante da existência. Faz frio. Tem chovido muito nesses dias; mas a nublagem não me entristece - parece comungar comigo de algo secreto, parece imitar-me de uma maneira cúmplice. Já esqueci de gritos do passado, meus medos ganharam novas nuances; são quase todos inofensivos... Exijo muito de mim, insatisfaço-me quase sempre... O que somos nós? Meu silêncio tem sido meu mestre e pareço me preparar numa mutação que só eu e Deus percebemos. Deus. Ele divide um café amargo comigo, acompanha-me na neblina fina da tarde que se faz noite diante desse céu cinza... Eu tenho minha não-receita de felicidade e ela me basta, não preciso que me preparem os caminhos, que me dêem mapas. Preciso desvencilhar-me desse mundo concreto, da ausência de lucidez, desse automatismo que faz a humanidade esquecer de que o humano é também espírito... Minha seriedade não precisa se confundir com tristeza; meu recolhimento nem sempre tem sabor de solidão... Qual meu maior pecado, Deus? Sou fraco porque sou esse enigma... Tens todas as respostas, Deus? Alivia um pouco o peso das minhas dúvidas...

Hérlon Fernandes Gomes, 07 de Abril de 2008 - Brejo Santo - CE.
P.S.: Para César Lobo, pelas conversas agradáveis que me rendem produções assim; para Candice Cardozo, Marcela Rodrigues, Révia Mara, Danielle Orenstein e minhas irmãs Helaine e Heloísa - mulheres de alma pronta!

domingo, 6 de abril de 2008

SHOW DA BANDA DONA CHICÁ NO SUPER SÃO JORGE (05.04.07)

Sábado. Noite. A chuva tem dado uma trégua nestes dias... Super São Jorge, ambiente de bom gosto, confortável, agradável, sedutor. A presença da banda Dona Chicá mudou a roupagem do local, tornou-o cult. Pouquíssimas vezes tivemos a oportunidade de ver uma representação da juventude brejossantense de uma maneira tão irmanada, mostrando que podemos ser auto-suficientes quando o assunto for bem-estar, lazer e cultura. Sim, pois o som da banda Dona Chicá, modernizando clássicos como Construção, de Chico Buarque; trazendo à baila sucessos do The Police, Audioslave, é algo novo na região do Cariri. É uma prova inequívoca do cosmopolitismo de Brejo Santo. Foi-se o tempo em que precisávamos sair da cidade para desfrutar de um bom ambiente, de uma proposta nova de diversão. Nossas noites talvez não sejam mais as mesmas... A voz serena mas firme de Paulo, o baixo eletrizante de Weine e o som harmônico das baquetas de Daniel rompem tratados, traem os ritos – parafraseando Sangue Latino, tão bem revisitada. A banda tem o gosto ousado da juventude! Foi difícil segurar os presentes nas cadeiras, porque a atmosfera ensejava libertação.
Que nossos promoters continuem a organizar eventos assim! Parabéns, Super São Jorge; parabéns Ser Tão Bom Restô, por desenharem um novo perfil das noites brejossantenses!

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE, 06 de Abril de 2008.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

ELA QUERIA SER MADONNA




Achava-se feia, sem graça. Mas havia descoberto que podemos construir nossa própria beleza, num processo gradual... Baixinha, gordinha, com óculos de lentes míopes. Era um clichê. Na escola, sempre fora o alvo das piadas de mal gosto, a rejeitada, o pária. Enquanto todas as outras meninas, no auge dos seus dezesseis anos, perfilavam-se e exibiam-se para os rapazes, todas conhecedoras dos mais libidinosos prazeres da carne, ela ainda não soubera a sensação de um beijo. Não obstante isso, não se achava triste. Achava-se adormecida... Quando criança pedia para a mãe que lhe contasse repetidamente a história da Cinderela e esperava que um milagre parecido se operasse em sua vida. Só havia uma coisa que a iluminava: a pop star Madonna. Era sua maior distração, sua energia mais vibrante, seu patamar mais seguro. Quando qualquer coisa pensava em abatê-la, imediatamente imaginava como a estrela se comportaria, e isso acalmava qualquer tormenta. Em casa, no refúgio de seu quarto tomado de pôsteres da diva por todos os lados, religiosamente estava a ver e rever clipes, filmes, documentários sobre ela. Madonna era sua religião. Aprendeu inglês para compreender melhor o que ela cantava... Madonna que tinha o poder de desencantar os santos, que conseguia ser bela e sensual mesmo com seus dentes separados... A Madonna fatal com seu dente de ouro do clipe Erotica; a Madonna que arrasa na boate, no Deeper and Deeper... Ela queria ser assim: ímpar e brilhante. Dentro de si, poderia ser quem ela quisesse e seu alter ego já se ocupava da presença daquela. Ela sabia que estava bem mais para o herói atrapalhado Austin Powers do que para a própria Madonna, mas gostava da ousadia de sua rainha a fazer desfile de moda com o Exército Americano, a jogar granada ao presidente Bush, a ter a poesia de amar um toureiro em Madri... Assim o patinho feio ganhava a redenção e nela ia se criando uma força de infinitos megatons, que a transformaria na primeira dama da Argentina, que a faria libertar a China, que a permitiria andar sobre as águas, florescendo as praias do mundo numa profusão de amor...

Hérlon Fernandes Gomes, 02 de abril de 2008 - Brejo Santo - CE
P.S.: Para Gladja, que sempre quis ser a Madonna; para Eduardo Prado, Abelardo, Gilvan - pelas razões óbvias; para Filipe, que a ama de maneira camuflada e canta Hung Up no chuveiro... rsrsrs