
Ultimamente percebia que fugia de algo. E fugia de medo, como se essa torrente desconhecida pudesse amaldiçoar suas coisas sagradas, sua mágica secreta. As pessoas lá embaixo estavam enlouquecendo facilmente, cegando os olhos da alma, manipulando com substâncias amargas a essência da lágrima, as estruturas da fome. Era preciso fugir disso, era preciso se imunizar desse mal.
Em dias assim, em que a insanidade já se fazia sentir pelos calcanhares, ele subia até o mais alto que podia, onde o clima era ameno, onde a paisagem se tornava mais exuberante e, do alto, observava aquele pequeno caos que se amontoava lá embaixo.
Lá em cima, eram apenas ele, o silêncio e o espaço. Ali, sim, ele conseguia respirar aliviado, porque era território proibido para as banalidades desses males modernos. Respirava fundo e se enchia dos tons lilases que se cintilavam pelo céu durante o cair da tarde.
O conforto daquele frio descascava o bronze artificial urbano. Ali, sim, ele podia ser a verdade. Ali ele vestia sua alma com essa riqueza gratuita que o tornava pleno. Era dono de quê? Era dono daquilo que os homens não podem se apropriar, dono das coisas que somente a alma pode ser dona sem se apoderar... Ali ele se perdia e se encontrava, sem se preocupar em ter; apenas em ser. Apenas em ser.
Hérlon Fernandes Gomes
P.S.: Fotografia tirada do alto da Serra do São Filipe - Nossa porção de Chapada do Araripe. Fim de tarde.