Talvez fosse tempo mesmo para ele se encantar novamente – em tempos atrás talvez chamasse isso de se iludir.
Agora ele sentia que era tempo para se entregar à deriva de uma paixão que fosse a cor dos seus dias. Cansou de se bastar (alguém se basta?); cansou de acreditar que conseguia reger a intensidade dos próprios sentimentos como a uma orquestra. Precisava voltar a sentir saudades, a ser também essa ânsia para alguém.
Ele lembrava de toda a calmaria que o enchia todo dessa alegria esquecida."É meio como andar de bicicleta”, pensou. Era tão bom esquecer as horas de tédio com a plenitude da presença dela... Passou a sentir vontades adormecidas depois que suas salivas se misturaram. O tempo havia se calado naquela hora. E ainda assim, calados, quanto disseram de si mesmos, quanto se tornaram cúmplices nos desejos?
Não havia palavras nem conceitos que pudessem ser falados ou escritos, porque poderiam soar ridicularmente. Mas acontecia nele um fenômeno que só podia ser um sinal: seu suor exalava a mesma fragrância do cheiro dela, numa perseguição onde ele era o próprio rastro.
A cama estava mais fria com apenas um corpo nu. Demorou-se com a insônia, perpetuando na imaginação os beijos de agora há pouco — lembranças tão vivas e mornas.
Sentia-se mais vivo, sentia-se iluminado.
Sentia-se mais vivo, sentia-se iluminado.
Hérlon Fernandes Gomes
Madrugada de 28 de janeiro de 2010.
Fotografia do filme ASAS DO DESEJO (Der Himmel ünder Berlin), de Win Wenders, um clássico do cinema, de 1987.