quarta-feira, 17 de junho de 2015

“Lúmen”: pra dizer do amor

           

           Já decretaram o fim da poesia. Já apontaram para o não-lugar da poesia na sociedade pós-moderna. Não é necessário nenhum estudo aprofundado para constatarmos o pequeno consumo de poesia no Brasil. Os desafios em publicar um livro são enormes. E não me refiro aos meios digitais e às formas de manipulação literária do presente, mas do velho e bom livro, aquele que a gente pega, folheia, cheira, põe embaixo do braço e com ele viaja, literalmente. Vez ou outra nos deparamos com gente louca, de uma loucura que é bonita e faz bem – os loucos pela literatura, que atraídos pela necessidade de escrever, rompem todas as dificuldades e, por vezes, custeiam sozinhos a publicação dos seus manuscritos. Dentre os loucos que não engavetam os seus poemas apesar dos percalços, está Hérlon Fernandes, autor de “Lúmen: entre as matizes da alma e do coração”, publicado no ano de 2014. O jovem poeta reforça o coro de que a poesia não morreu e nem está prestes a morrer. Apesar de tudo, a poesia vive.
            “Lúmen” habita muitos lugares, é feito de muitas cores e de sentimentos variados: medo, raiva, ilusão, saudade, insatisfação, tristeza, alegria, esperança, paixão. Contudo, é o amor que perpassa todo o texto. Na poesia de Hérlon o amor assume as suas múltiplas faces. O amor é evocado, muitas vezes, a partir de imagens que se opõem ou, ainda, pela negação da existência do sentimento. A presença (ausência) do amor pode ser percebida em tempos de guerra a partir de pequenas fendas por onde se avista um eu lírico dilacerado, como em “Primavera em Bagdá”, onde “o amor desaparece, corriqueiro, pela estrada” em detrimento da violência. Como amar em tempos de guerra? “Lúmen” faz o amor escorregar-se por todos os cantos, mesmo quando a ênfase recai sobre outro sentimento, vê-se a imagem do amor anunciando-se por uma fresta qualquer, fazendo-se contraste, fazendo-nos pensar para além das cinzas produzidas pelas guerras.
            “E de repente, eu me calo; eu emudeço diante da dor do mundo”. A dor do mundo é o que não tem nome, é o que não se pode dizer, é o que nos rouba a fala. E assim, “Lúmen” segue abrindo espaços para que o amor se instale ou, quem sabe, se faça perceber. A delicadeza poética de “Lúmen” reside na necessidade de sentir e de dizer, mesmo que não diga de modo explícito, deixa brechas na linguagem carregada de sentidos. “Cinzas da Guerra”, primeira parte do livro, é composto de muitos tons de cinzas que, ao serem misturados, assumem novas cores, insinua-se o nascer de uma cor que não sabemos ao certo qual é. Nessas pinceladas poéticas o homem é máquina, o rio é solitário e a canção é morna. O que “nos impede de amar” e “nos proíbe de avistar o pôr do sol” é poeira cinza que, no final, se desfaz no espaço. Para além do cinza e das cinzas de todas as guerras, o eu poético reconhece o seu lugar no mundo e, com isso, indica a “chave secreta”.
            Hérlon abre todas as portas e janelas para que, por meio delas, outras cores sejam notadas. Não basta vê-las, é preciso senti-las. Na segunda parte, o azul e as fragrâncias da alma, com todas as suas inquietudes, azul que é azul e outras cores mais, é um convite à vida e é “lembrança do mar”, fios de cor constituindo a memória, aproximando presente e passado, fios que apesar de esgarçados recuperam o afeto, lembrança daquilo que não se deixou desbotar. Azul é a cor escolhida para fazer emergir entre versos de poesia o lugar antropológico de todos nós, o sujeito e as suas raízes.
            Violetas vêm pra dizer de um amor sonhado, assim com diz o vermelho acerca de um amor vivido. Entre a violeta e o vermelho, ocres das desilusões. Nessas cores, o amor assume as suas faces de modo explícito, e o que vemos é um eu lírico que sabe dizer do amor que viu e (não) viveu. O que quer o amor? Ao dizer de um sentimento que se espraia, Hérlon responde essa indagação de diferentes modos, sobretudo por ir além do sentimentalismo, por fazer pensar sobre o amor em tempos difíceis. Falar de amor nunca será piegas – o amor que é de todos. Termino a leitura de “Lúmen” com o desejo de que “o amor cresça, sem as urgências das nossas pressas”.   


Elieudo Buriti, 16 de junho de 2015, Porto Velho/RO
* Graduado em Letras pela Universidade Estadual do Ceará e Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Rondônia.


Fiquei extremamente lisonjeado com a crítica feita pelo amigo e professor Elieudo, um sentidor de alma, e um amante da literatura. Minha poesia se sente envaidecida de suas palavras elogiosas. 

H.F.G

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