O bom contador de histórias é
aquele que, conhecedor de sua trama, faz com que o leitor/ouvinte se deixe
suspenso na teia da expectativa montada pelo seu criador.
O Sr. Jards Nobre, natural de
Quixadá, no Ceará, não obstante toda a formação acadêmica que lhe garanta
segurança na sua escrita, parece mesmo ter herdado, esse dom de romancear fatos, desses conhecidos contadores de ‘causos’ que habitam os interiores do sertão
cearense - dada sua invejável capacidade de prender o leitor nas suas
expectativas deixadas ao fim de cada capítulo.
O jovem escritor de que ora se trata, no entanto,
traz em sua algibeira da mente histórias que não se lançam em qualquer roda de
prosa, porque seu signo de provocação seria dissonante para ouvidos hipócritas,
tão comuns na falseada sociedade dita batuta da moral e dos bons costumes.
O romance Pássaros sem Canção é,
antes de tudo, um livro corajoso, universal, nascido em tempo de estação; é,
por isso, fruto exótico, maduro, de gosto incomum dessa árvore quixadense, rara
e espinhosa como o mandacaru.
Livro corajoso porque essa
polêmica história de amor entre dois rapazes adolescentes, no interior do sertão
nordestino, pode ser publicada em uma época onde a liberdade de expressão é
garantia constitucional de ordem neste País; sobretudo quando as instituições
garantidoras das liberdades individuais vêm sanando as omissões legais e ignominiosas deixadas ao longo do tempo na sociedade brasileira.
Livro universal porque carrega
como tema o amor proibido, o amor que deve se sublimar e fenecer diante de
dogmas, de regras preestabelecidas e incontestáveis para os que não têm medo de
ousar.
Bernardo Guimarães, ao escrever
seu romance O Seminarista, obra-prima do Romantismo brasileiro, ‘obrigou-se’ a
matar a heroína da história bem como a enlouquecer o protagonista Eugênio,
porque uma história de amor, a contrariar o celibato, seria escandalosa demais para
ser aceita em uma época tão marcada pelos valores cristãos.
Adolfo Caminha, cearense como
Jards Nobre, ao publicar Bom-Crioulo, não imaginaria que a história de amor entre dois marinheiros, um
negro e um loiro, de fim trágico, fosse lhe render a expulsão do cargo que
ocupava na Marinha brasileira. De igual modo, notórias foram as angústias
sofridas por Raul Pompéia, o que lhe levou supostamente ao suicídio, quando da publicação de
O Ateneu, obra também naturalista, que disseca as descobertas sexuais das mais
variadas, incluindo as homoafetivas, entre alunos de um respeitado internato.
O assunto, pois bem, não é novo;
mas a forma como é posto, sim.
Pássaros sem Canção não é um
livro de gueto, não é um livro de militância homoafetiva. A polêmica história
desse amor proibido, embora seja o núcleo nevrálgico do romance, desemboca em
outras sendas de relevante importância a desenharem o mapa de uma sociedade
hipócrita, que salvaguarda as atitudes grotescas do fazendeiro capitalista
Armando; que coroa a atitude complacente e submissa da mulher sertaneja Júlia;
que conforma o destino fatal de jovens moças embrenhadas pela caatinga, como
Corrinha e Adelina, à mercê de casamentos arranjados ante a falta de
perspectiva trazida pelo semianalfabetismo e falta de outras oportunidades...
Se Pássaros sem Canção traz o
agouro da tragédia em si, é por outro lado um banquete onde os instintos se
entregam a mais absoluta liberdade, na clara alusão do zoomorfismo, tão própria
dos naturalistas, de quem o Sr. Jards Nobre é um grande discípulo.
Todo o enredo é desenrolado, como
agradável novelo de lã, por um narrador experiente, que vai montando seu
quebra-cabeças e enfeitiça o leitor com a vontade de que a próxima peça seja
colocada para que se tenha, por fim, a visão completa desse ‘árido-movie’, rodado entre juremas, estradas de chão batido e seixos, banhos de barragem, luares do
sertão e aquele nó na garganta que só se desengasga com lágrimas sinceras.
É por fim, uma história de amor,
que apesar de nascer em tempos de liberdade, não se pereniza. Como a flor do mandacaru, é
espécime exótica incrustada por espinhos e de vida efêmera; mas prenúncio de boas
promessas, pois traz em si o gosto da esperança.
Hérlon Fernandes Gomes
07 de Novembro de 2013.
Com essa fascinante análise de Pássaros sem Canção, quem não ficaria curioso para "traçá-lo" logo logo...Você, Hérlon, domina a palavra não só na poesia...que belo texto crítico acabei de saborear...E por falar em poesia, uma seguidora portuguesa da Cadeirinha de Arruar (OLINDA MELO), deixou hoje um comentário ( no post sobre Camocim) onde "recita" Fernando Pessoa e depois um "pedacinho" de seu poema em que você canta Brejo Santo. Veja lá! E, por falar em Brejo Santo, vou decepcioná-lo : nunca estive lá...foi tudo pesquisa na internet (mas, ainda hei de lá estar - a terra é tão rica!). Obrigada, por sua presença tão amável.
ResponderExcluirUm abraço, da Lúcia.
Para encurtar o caminho à Cadeirinha...
ResponderExcluirHérlon, tenho muitos seguidores portugueses e sigo todos eles. "Aconselho-o" a seguir Olinda Melo (Xaile de Seda, é o seu blog). A postagem dela, de hoje, é sobre Miguel Torga...EXCELENTE! Clique no nome dela, na Cadeirinha e "envolva-se", no "Xaile de Seda"...Visite Camocim, que só conheço "virtualmente"..rs Até...
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